quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Clap Clap Clap

Khôra faz anos. É já uma menina. É pequenina, na indefinição dos seus limites, das suas peles. Hoje, só para a festa - a festa é também uma maneira de khôra ser - veste-se de vestido com laços e toma a forma de uma menina. Uma menina que é uma voz, um espaçamento, um abrir de um lugar. Uma menina que cresce e que cria e recria o seu - um novo? - mundo. Uma menina por entre serpentinas e confetis e fogo de artifício. Uma menina a soprar uma vela. Uma menina de rosto posto nas rugas das mãos.




Entrava a fermosíssima Maria
Polos paternais paços sublimados,
Lindo o gesto, mas fora de alegria,
E seus olhos em lágrimas banhados.
Os cabelos angélicos trazia
Pelos ebúrneos ombros espalhados.
Diante do pai ledo, que a agasalha,
Estas palavras tais, chorando, espalha:

«Quantos povos a terra produziu
De África toda, gente fera e estranha,
O grão Rei de Marrocos conduziu
Pera vir possuir a nobre Espanha:
Poder tamanho junto não se viu,
Despois que o salso mar a terra banha.
Trazem ferocidade e furor tanto
Que a vivos medo e a mortos faz espanto.

Aquele que me deste por marido,
Por defender sua terra amedrontada,
C'o pequeno poder, oferecido
Ao duro golpe está da Maura espada.
E, se não for contigo socorrido,
Ver-me-ás dele e do Reino ser privada;
Viúva e triste e posta em vida escura,
Sem marido, sem reino e sem ventura.

Portanto, ó Rei, de quem com puro medo
O corrente Muluca se congela
Rompe toda a tardança, acude cedo
À miseranda gente de Castela.
Se esse gesto que mostras, claro e ledo,
De pai o verdadeiro amor assela,
Acude e corre, pai, que, se não corres,
Pode ser que não aches quem socorres».

Não de outra sorte a tímida Maria
Falando está que a triste Vénus, quando
A Júpiter, seu pai, favor pedia
Pera Eneas, seu filho, navegando;
Que a tanta piedade o comovia
Que, caído das mãos o raio infando,
Tudo o clemente Padre lhe concede,
Pesando-lhe do pouco que lhe pede.


Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto III (estrofes 102-106)

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