sexta-feira, 29 de maio de 2009

Vozes II

- ...

- É… desequilibrante… como nós.

- ...

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Canção das horas nº18





Obrigado C., por me ofereceres esta canção!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Cicatrizes






Beijo-te as cicatrizes
E contigo tomo as raízes do mundo







© Imagem
aqui.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

quinta-feira, 21 de maio de 2009

In Memoriam JBC

Em homenagem e in memoriam de João Bénard da Costa. Porque Portugal fica mais pobre. Porque o cinema em Portugal perde um dos seus grandes estudiosos e amadores. Porque a memória cinematográfica portuguesa muito lhe deve. Porque, para mim, a Cinemateca tinha um rosto. Porque cresci com ele. Porque (nos tempos em que ainda lia o Público) ensinou-me a gostar e a vibrar com o que via nas telas. Porque me ensinou a magia e o fascínio e o encanto - o cinema. Porque estou certo que o seu além será um cinema paradiso



Palmas, pois! Obrigado e a_deus!






quarta-feira, 20 de maio de 2009

CSI Tuga

Leio, no DN, num artigo sobre o "CSI Tuga", um comentário do director do Laboratório Nacional da Polícia Científica, sobre as séries televisivas inspiradas no universo da investigação criminal (de que o CSI é, talvez, o exemplo mais famoso). Diz ele que "nós [eles lá no laboratório] não somos tão bonitos como eles, mas a principal diferença é a ideia de tempo", não só no que se refere ao tempo dos resultados das análises, mas também no que se refere aos dados a que os investigadores têm acesso: "ninguém acede a tanta informação com um simples toque de botão. Além disso, se qualquer polícia pudesse aceder a informação dessa forma, teríamos um big brother, uma sociedade sem o equilíbrio entre justiça e liberdade".



É curioso. Eu sempre que vejo essas séries televisivas (preferindo o CSI Las Vegas em relação às outras, as quais considero inferiores), à parte das considerações estéticas – que me eximo de comentar por não conhecer a realidade lusitana – penso sempre: bolas! Que bom seria se as nossas policias funcionassem assim! (descontando, claro está, a rapidez com que tudo acontece, coisa normal no universo televisivo). Mas lá está: eu acho mais importante apanhar os criminosos do que garantir supostos direitos da liberdade; é que a liberdade preserva-se e guarda-se impedindo que os dados pessoais caiam nas mãos erradas, sejam usados para fins ilegais, ou sirvam para perseguir os inocentes. Ou seja: a liberdade preserva-se pela via da estrita legalidade. E preserva-se apanhando, julgando e condenando os que infringem a lei. No extremo desta corrente deixaremos de prender os criminosos, porque é uma maçada e um atentado ao seu inalienável direito ao liberdade… Ah, pois é: já o fazemos!...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Fistful of love *




I was lying in my bed last night
Staring at a ceiling full of stars
When it suddenly hit me
I just have to let you know how I feel


We live together in a photograph of time
I look into your eyes
And the seas open up to me
I tell you I love you
I tell you I love you I tell you I love you
And I always will
And I always will And I always will

And I know that you can't tell me
And I know that you can't tell me

So I'm left to pick up
The hints, the little symbols of your devotion
So I'm left to pick up
The hints, the little symbols of your devotion

I feel your fists
And I know it's out of love
And I feel the whip
And I know it's out of love
I feel your burning eyes burning holes
Straight through my heart

It's out of love
It's out of love


I accept and I collect upon my body
The memories of your devotion

I accept and I collect upon my body
The memories of your devotion

I feel your fists
And I know it's out of love
And I feel the whip
And I know it's out of love
I feel your burning eyes burning holes
Straight through my heart

It's out of love It's out of love It's out of love
(Straight through my heart)
It's out of love
It's out of love
It's out of love
(Straight through my heart)



Antony and The Johnsons



(... I was lying in my bed last night. Staring at a ceiling full of stars. When it suddenly hit me. I just have to let you know how I feel. We live together in a photograph of time. I look into your eyes. And the seas open up to me. I tell you I love you. And I always will. And I know that you can't tell me. And I know that you can't tell me. So I'm left to pick up. The hints, the little symbols of your devotion. So I'm left to pick up. The hints, the little symbols of your devotion. I feel your fists. And I know it's out of love. And I feel the whip. And I know it's out of love. I feel your burning eyes burning holes. Straight through my heart. It's out of love. It's out of love. I accept and I collect upon my body. The memories of your devotion. I accept and I collect upon my body. The memories of your devotion. I feel your fists. And I know it's out of love. And I feel the whip. And I know it's out of love. I feel your burning eyes burning holes. Straight through my heart. It's out of love. It's out of love...)



* (Porque estava lá. Porque estamos cá.) Oh give it to me! Oh give it to me! You know i want it... You know i want it... Oh poison me! Oh poison me! You know i want it... You know i want it...






domingo, 17 de maio de 2009

50






Pai, nas Tuas mãos entrego meu espírito. (Lucas 23: 46)






sexta-feira, 15 de maio de 2009

13 de Outubro de 1917

Para o Daniel. Por haver despertado a minha memória.



Herculana não se inquieta com a multidão. Gosta de festas, gosta de celebrações: afinal já viu algumas na sua vida. Anualmente gosta da algazarra da Festa do Senhor dos Passos onde muita gente acorre para assistir à tradicional Procissão (um arrepio percorre-a de cima a baixo: lembra-se do corpo do pai, morto num dia de procissão enquanto dormia a sesta. Benze-se.). E ainda há pouco mais de meia dúzia de anos lembra-se do ajuntamento que foi a visita d' El Rei D. Manuel II, coitadinho, a acompanhar a desgraça que foi aquele grande terramoto que até destruiu Salvaterra (arrepia-se novamente; lembra-se do medo que sentiu quando a terra tremeu, lembra-se do susto e das ruínas do velho Paço, incapazes de resistir a tão forte ataque) – Deus o acompanhe lá por longe, para onde ele foi ainda tão novo e tão ferido! E ela também não é uma saloiinha qualquer: já várias vezes saiu da sua Almeirim natal, já conhece algumas terras, praias e tudo, coisa que a maior parte dos seus conterrâneos não se pode gabar. Olha para Manoel e inquieta-se. Esta chuva que se abateu desde cedinho só pode fazer-lhe mal, já tão abalado está com aquelas chagas-do-demónio que tantas preocupações lhe têm dado. Não há meio daquilo passar e os médicos (parecendo não saber muito bem do que se trata) dizem que é preciso ter paciência; mas como pode ter paciência uma mulher nesta época desgraçada em que o marido é o sustento de uma casa?! Se ele lhe faltar, ai, valha-lhe Deus e não a castigue por, sequer, pensar nisso! Herculana aperta-se debaixo do guarda-chuva e lembra-se do seu Manoelzinho ("Manoel Alexandre", como o pai): desde cedo tem rezado pela sua saúde e felicidade, com os olhos rasos de água, aflita como Maria com o seu Filho – os tormentos de uma mãe nunca têm fim! Pensa no que estará o seu menino a fazer, mas depressa sossega sabendo-o o ai Jesus das tias, o único menino de uma família de mulheres (Deus guarde a alma do seu irmão Manoel, tão novo e já debaixo do chão e tanta água agora em cima dele, coitadinho!), das suas primas (tanta graça acha à relação que o seu Manoelzinho tem com as primitas, tão encantadores são todos e tão amigos – como irmãos, graças a Deus!).


Manoel não sabe as cogitações em que Herculana está. Também ele tem estado absorto, não sabe se é daquele tempo infernal se é da moléstia que o apoquenta. Inquieta-se ao pensar nisso, mas não gosta de partilhar com a mulher coisas que nem ele compreende muito bem. Tem medo de lhe faltar, a ela que tão dedicada lhe tem sido, e ao seu Manoelzinho, alegria daquela casa, onde todas as esperanças estão depositadas. O rapazito, apesar da tenra idade, é esperto e parece ir longe: queira Deus que assim seja! Parece-lhe que Herculana chora. Inquieta-se, mas não diz nada com medo de, com uma palavra, lhe despertar uma choradeira qualquer e as recriminações do costume que ele já conhece e não quer que sejam partilhadas com tantos estranhos. "Eia! Muita gente também cá caiu!", pensa, à medida que vai perscrutando o terreno em redor. Será que os relatos que ouviu sobre os petizes que falam com Nossa Senhora não são coisas de beatas e gente alucinada? Este pensamento inquieta-o ao pensar que tanto caminho fez para ali estar – mas a sua Herculana nunca lhe perdoaria não vir. Sabe que ela o faz sobretudo por ele. Tem sentido a preocupação no olhar e na voz dela sempre que ele está pior. E para desviar destes pensamentos começa a rezar!


Herculana continua a sua invocação de todos os santos que conhece! Aterroriza-a a ideia de ser mais uma viúva. Sabe o que são as viúvas desse tempo, sabe que a vida acaba ali e ela é demasiado viva, tem demasiado fogo para ficar morta por dentro. Pede à Senhora que Manoel deixe de beber. Ela sabe que, por muito que ele negue, as chagas ficam piores quando ele bebe mais e isso atormenta-a. Lembra-se da mãe e das noites em que o pai chegava a casa com o grão na asa. "Grão" é maneira de dizer que aquilo era homem que era um alqueire de uma vez! Lembra-se da pistola apontada à cabeça enquanto ele a obrigava - a ela e às irmãs - a ler a Bíblia. Lembra-se da mobília queimada e a outra perdida ou vendida aos companheiros da desgraça do jogo e do álcool. Lembra-se das fugas noturnas para casa dos padrinhos sempre que ele as queria matar a todas. Lembra-se de como ele, sóbrio, era "um homem perfeito". Lembra-se da recomendação da mãe – "filhas nunca casem com um homem com vícios!" – e tem medo que o seu Manoel vá por esse mau caminho. É interrompida nas suas inquietações pelo burburinho em redor…




(…)




A chuva parece ter finalmente cedido. Começam a surgir umas abertas e o sol quente de outono já mostra a sua graça aqui e ali, como se os raios fossem semeados à mão por um agricultor cósmico. Subitamente ouvem-se gritos, Herculana olha para o céu e parece-lhe que o sol está mais intenso. Arrepia-se e sente que tem de ajoelhar. Os joelhos em redor vão flectindo à medida que o sol baila no céu e parece despenhar-se sobre eles. Ouvem-se os gritos mas ela não tem tempo para isso pois olha para Manoel e não vê as malditas chagas que tanta apoquentação lhe têm dado. A alegria é tão grande que as lágrimas irrompem-lhes dos olhos e tudo o que consegue é pensar que o seu Manoelzinho terá pai para honrar! Em redor ouvem-se gritos de "- Milagre! É Milagre!" As lágrimas misturam-se com a alegria, a terra está seca como se não tivesse caído um pingo. Manoel, tolhido ainda pela surpresa, sabe que vai honrar aquele momento, aquela graça que Nossa Senhora lhe deu: não mais abusará da pinga! Sai daquela cova com nome de santa martirizada com uma vita nuova. E sabe que o deve à sua Herculana, afinal Nossa Senhora dá sempre ouvidos a uma mãe aflita!










*In memoriam da tia Herculana e do tio Manoel Alexandre (a grafia do seu nome ainda era esta), testemunhas anónimas dos acontecimentos da Cova de Iria de Maio de 1917. Ouvi a narração da cura milagrosa do tio da boca da minha tia Emília, pequena "primita do Manoelzinho", à data com 4 anos. Contava ela que essa era uma das primeiras lembranças que tinha da sua infância: o espanto causado pela cura testemunhada no regresso dos tios do lugar das aparições da Virgem. Anos depois a vida encarregou-se de a aproximar do lugar da aparição e aí (aqui) ouviu outras lembranças de outras testemunhas do sucedido (por aqui, e antes de 1917, era Nossa Senhora do Pranto de Dornes a rainha da devoção). Em todos a certeza inabalável: é milagre!



© O Manoelzinho com os pais (1925-1930)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Rising up

Tropecei nela ainda há pouco. Há poucochinho. Ainda agora, como uma tempestade, caiu-me em cima, I got caught in a storm, e prendeu-me por completo. Arrebatou-me, elevou-me e atirou-me ao chão. Encheu-me a dobra do coração. Sem dar conta, rodopiei e rodopiei e rodopiei, I got turned, turned around. Como uma cómoda, uma porta, uma vaca no olho do furacão. Deixei-me ir… deixei-me levar, deixei-me navegar pelo vento, I was rising up, hitting the ground.




Quantas vezes não vimos as tempestades chegarem? Quantas vezes não fomos levados, arrebatados, e subimos e subimos e subimos e descemos e descemos e descemos, caindo e voando sem darmos conta. Enrolados em nós, acomodados em nós, demasiado estranhados e entranhados em nós, deixámo-nos ir deslumbrados com o correr, com o seguir, com o andar, things were flying around, and doors were slamming, and windows were breaking. Quantas vezes não te ouvi no meio da tempestade. Eu, eu e tu, no meio da tempestade, a rodopiar e a rodopiar, sem nos vermos, so I didn't call, and you didn't see me for a while, sem nos ouvirmos, and I couldn't hear what you were saying




Desde então, aqui andamos os dois. Rising, rising, rising up



terça-feira, 12 de maio de 2009

Terreiro abaixo

Infelizmente Portugal sofre de um lamentável síndrome de novo-riquismo. Por cá a história é mal tratada e vilipendiada, a língua é abastardada, o património é deixado ao Deus dará. Desconheço qual a raiz do problema (se ela for diagnosticável ou identificável), mas sei que isso me irrita absoluta e infinitamente. No campo do património essa tendência é mais notória, mais facilmente identificável, e, se quisermos, mais irritante ainda. Nunca um monumento está em paz em Portugal: ou é deixado à sua triste ruína, ou é "atacado" por enxames de arquitectos e outros que tais que, desrespeitando na maior parte das vezes o que está, querem sempre deixar uma marca, fazer um contraste, realçar um aspecto, ou seja: marcar território como os animais (e ainda há-de aparecer algum que marque efectivamente território como os animais e ainda lhe chame intervenção urbana e arte contemporânea! Garanto que ainda há-de aparecer!). Se isto foi apanágio na nossa história arquitectónica, tornou-se mais grave no século XX com as noções de "património" e de "conservação" do mesmo. Dos conceitos puristas da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais do Estado Novo, aos dislates do "poder autárquico" analfabeto da Terceira República, os casos são (infelizmente, também) quase infinitos. Aliás, estou convencido que, fôssemos um país rico, e já havíamos arrasado grande parte do nosso património para dar lugar a "conceitos contemporâneos"… O que me parece que esta gente não entende é que não vão inventar o mundo: para o bem e para o mal ele já cá está e aquilo que eles podem fazer é reinventá-lo – quando for caso disso, quando houver necessidade disso, quando isso for necessário. Mas não: as cabecinhas pequeninas não sabem o que é "restaurar", "renovar", "reabilitar" sem meterem o bedelho, que é como quem diz, sem darem a mijadela no canto!


Graças a isto temos praças e ruas com meia dúzia de nomes (variam consoante as épocas, os regimes ou os gostos dos fregueses…), temos praças e ruas que de tão incaracterísticas já ninguém sabe quando apareceram, como apareceram e qual o seu uso. Ao longo dos tempos vamos acumulando estilos e gostos e, no fim, o que resta, é uma confusão que ninguém percebe muito bem, mas a que se chama sempre "moderno" ou "contemporâneo"…




Deu-lhes agora para atacar o Terreiro do Paço / Praça do Comércio (lá está!). Não contentes com, ainda há uma dúzia de anos, a remodelação que lá foi feita haver devolvido a placa central aos peões (com a feliz retirada do parque de estacionamento novo-rico que por lá havia), eis que é preciso (de novo) devolver a praça aos peões! E, aproveitando umas obras necessárias que já deviam ter sido feitas por altura de outras igualmente necessárias (um dia saberemos quanto nos custam estas brincadeiras), lá apareceu o inefável e corriqueiro projecto para "revitalizar a praça". A proposta (daquelas propostas que, à portuguesa, são quase imposições e pontos de honra dos democratas cá do burgo) é, no mínimo, um crime de lesa património. No máximo, uma anedota. Eis que as alminhas que a conceberam, no fundo das suas cabecinhas iluminadas pela modernidade vanguardista, lá resolveram desencantar o piso que deu nome ao lugar (terreiro), propondo pois que a placa central seja coberta com "um conglomerado de saibro ou gravilha com resina". Hã? Não contentes, e já deslumbrados com os seus conhecimentos de história, propõem que, nos passeios junto às arcadas (agora já não se dizem "Ministérios" porque as cabecinhas até isso querem expurgar do lugar) sejam desenhadas linhas citadoras das linhas das cartas de marear quinhentistas. Hã? Para além disso, e porque somos todos atrasados mentais, propõem que seja construída uma espécie de passarela (o que eles precisavam era da passarola de Frei Bartolomeu para desandarem daqui para fora!) a ligar o Arco da Rua Augusta à Estátua Equestre de D. José I e desta ao Cais das Colunas (neste novo projecto transformado num apêndice circular), a fim de marcar um percurso até ao rio. Hã? Ao que parece também querem subir ligeiramente a cota da placa central para que a vista do rio se afirme (porque o Tejo é um "ribeirito" que quase ninguém nota por aquelas bandas, claro está!). Hã? E nas "arcadas", libertas do peso levemente maçador dos Ministérios, querem esplanadas e hotéis e outros que tais.




Podeis apreciar aqui a dimensão da tragédia:




Terreiro do Paço: História, Presente e Futuro




Frente Tejo assume opção pela redução «drástica» de trânsito




Novas imagens do futuro Terreiro do Paço já foram apresentadas




Opinião: Terreiro do Paço - Que futuro?




Losangos para o Terreiro do Paço pouco consensuais mas calçada não é obrigatória


Do Terreiro do Paço (porque we'll always have paris, mas quem nos tira a luz de Lisboa e o Tejo tira-nos tudo, não é Pedro?)




Hã???




Sinceramente não sei se chore, se ria, com tanto disparate junto. O Terreiro do Paço (eu prefiro o nome antigo porque é mais emblemático do que sempre por ali se passou, desde D. Manuel I) é a grande praça lisboeta. Minto: é a grande praça de Portugal! Goste-se ou não, foi para isso que foi concebido, primeiro no tempo da Carreira das Índias, depois, no tempo da Carreira do Brasil e da reconstrução "pombalina" (o nome Praça do Comércio é, em si, todo um programa político do desenvolvimento mercantilista do Reino e do entendimento que então se fazia do que eram os negócios do Reino). É então, desde sempre, desde o seu nascimento como grande praça de poder (na transição do século XV para o século XVI), a grande sala de visitas de Portugal. Lá se fez a história dos últimos 500 anos lusitanos. A partir de lá se ergueu um Império e (curiosamente!) lá também esse Império se desfez! ("É só fumaça") Na reconstrução da Baixa posterior ao Terramoto de 1755 é curioso verificar que, não só a memória do antigo Terreiro do Paço foi mantida, como foi engrandecida com as linhas que – então – gizaram uma cidade moderna e cosmopolita. Desde então, aquela é a grande praça da encenação do Poder em Portugal (e, concomitantemente, em tudo o que foi o Mundo Português). Aquele é o grande palco da Política e do Poder lusófonos! E não perceber isto é não perceber nada do que foi Portugal, pelo menos, na última metade de milénio!




Ora, é precisamente isso que este projecto põe em causa. A dignidade do grande palco do Poder lusitano (e um dos raros exemplos no mundo com a dimensão, o equilíbrio, a magnitude e a beleza do nosso Terreiro do Paço).




Concebido para ser uma grande e gigantesca "praça real" (por oposição às mais pequenas e mais populares Praça do Rossio/D. Pedro IV e Praça da Figueira/D. João I), dominado pela figura do monarca absoluto (naquele absolutismo à portuguesa tão diferente do restante europeu), D. José I, a cavalo, em traje de gala, pisando as "víboras" que atacam o seu prestígio (pelos vistos não calcou tantas quantas seriam necessárias!), o Terreiro do Paço foi concebido a pensar na materialização do Poder na arquitectura. E foi concebido para encenar a ligação de Lisboa ao Tejo e de Portugal aos Oceanos (tal como, noutra escala e noutro "mundo", a Praça de S. Marcos de Veneza foi concebida para projectar o poderio da grande cidade-estado sobre o Adriático). Não se compreende, portanto, porque é que, ao invés de encontrar uma simbiose entre a "calçada portuguesa" (que Portugal legou ao mundo, do Rio de Janeiro a Macau) e o lioz característico da região (e dos pisos) de Lisboa (julgo até que era o que lá estava), a opção arquitectónica – discutível como todas, ao invés do que parece perpassar do discurso vitimizante dos arquitectos – tenha apostado no incaracterístico e de mau gosto "composto de saibro ou gravilha". É que se é para citar o tempo do terreiro também podem começar a organizar uns autos de fé (contemporâneos do piso!) e umas touradas, ou a espalhar sacos de pimenta e bostas de cavalo para dar maior realismo à coisa… Quanto às "linhas cartográficas" nos passeios laterais também não julgo que se enquadrem minimamente no perfil iluministo-racionalisto-burguês que presidiu ao desenho da praça e da restante Baixa lisboeta. Que isso seja feito no Parque das Nações estou totalmente de acordo e até acho valorizador – no Terreiro do Paço acho uma idiotice pindérica. Tão-somente. Já no caso da "passarela" ou da alteração da forma do Cais da Colunas acho que são propostas tão inimagináveis que nem merecem referência mais aprofundada; e por um simples motivo programático: se há coisa que a "arquitectura pombalina" ensina é a não haver desperdício, não haver barroquismos e a tudo ser útil e racional – essas alterações não são!




Já na questão do alargamento dos passeios laterais acho que deve haver alguma ponderação. Sendo eu absolutamente favorável a uma redução do tráfego automóvel no Terreiro, não sou de todo favorável àquilo que é proposto (se acho bem que a Rua do Arsenal fique reservada aos trasportes públicos, a ideia de haver apenas duas faixas de atravessamento marginal parece-me outro disparate lírico que, ademais, provocará um estrangulamento nessa importante via de comunicação da cidade - o mínimo aceitável são duas faixas para cada sentido). Isto porque, ou as imagens virtuais falham muito, ou os passeios vão ficar absolutamente desalinhados com as ruas da Baixa (do Ouro e da Prata) e isso parece-me mais um aborto geométrico numa zona onde a geometria é tudo! Para além disso ouço há muito esta ideia do Terreiro do Paço como uma "praça popular", fruída por imensa gente por lá abancada em esplanadas e afins… Se não julgo que aquela seja a praça mais indicada para isso (o seu tamanho é impeditivo desse ambiente de proximidade familiar), julgo também que, a não ser que a abandalhem com pára-ventos altamente duvidosos, dificilmente o seus passeios serão agradáveis para a fruição diletante urbana. E até penso que não é desejável: para isso existe o Rossio, existe a Praça da Figueira (se bem que os tristes ventos da modernidade saloia também aí tenham relegado a Estátua Equestre do Mestre de Aviz para um canto subalterno), e poderia existir a Praça do Município (fosse ela viva), ou o Campo das Cebolas.




Sou, por isso, favorável à manutenção do Terreiro do Paço como grande praça histórica e cénica de Lisboa e de Portugal. Com fachadas amarelas e lioz e calçada portuguesa no chão. Com alguns bancos discretos e sóbrios. Sem árvores (se bem que goste das imagens que mostram uma praça orlada com árvores, julgo que o seu projecto arquitectónico recusa a sua existência: para isso existem o Rossio e a Figueira, insisto!), mas podendo muito bem receber uns vasos discretos com arbustos bem cortados. Com esplanadas nas arcadas, se isso não implicar grandes adereços (se há coisa que acho que deve ser apreciado é o despojamento, e ainda assim extraordinária beleza, daquela praça!). Com os ministérios no sítio que foi criado para eles (se compreendo que alguns terão de sair porque as instituições mudam, julgo que pelo menos dois, por aquilo que representam, lá devem permanecer: O Ministério das Finanças e o Ministério da Justiça), e a sede do Supremo Tribunal, ou seja, a sede absoluta (e já não absolutista) do Poder em Portugal. Pelo menos isto. E se querem mais gente a "fruir" a praça, experimentem reabilitar a Baixa, atrair gente para lá viver e talvez tenham surpresas. E sem insufláveis publicitários, "jardins portáteis" e outras parvoeiras: o Terreiro do Paço não tem de ser animado como uma feira permanente - um dos seus encantos, volto a repeti-lo, é o despojamento, é o espaço, é a luz, é a abertura de horizontes...




E a propósito: que é feito de um projecto que todos pagámos (e pagamos sempre todos, dislates ou não), apresentado pouco antes da partida do Sr. Barroso para Bruxelas onde, a par da reabilitação da Baixa, previa a reabilitação do eixo Santa Apolónia – Cais do Sodré com a ideia (magnífica, parece-me!) de, na Ribeira das Naus, criar uma zona de exposição (citação do antigo Arsenal da Marinha) com réplicas dos navios dos Descobrimentos visitáveis pelos turistas – e, o que é melhor – no preciso local de onde eles partiam e onde chegavam das carreiras imperiais? Local para onde iria a (triste) Fragata D. Fernando e Glória, recuperada para a Expo 98 e novamente votada ao apodrecimento inglório da Nação que lhe coube procurar enriquecer?




E já que falamos nisso, que tal montarem umas carreiras de barcaças turísticas que partindo (do Cais do Sodré, de Santa Apolónia, de Belém, do Parque das Nações ou de outro lugar qualquer) aportem os turistas ao Cais da Colunas, dando-lhes a "visão dos reis" de verem crescer diante dos seus olhos a beleza do Terreiro do Paço sem "travestismos", mas apenas ele, simbólico e belo, austero e imperial, doce e sereno, no permanente enamoramento de Lisboa com o Tejo? Isso, sim, era moderno! E catita!









© Estátua Equestre de D. José I.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Uma Grande Senhora

Há gente que não devia morrer. Devia haver uma quota (há-as para tudo e para todos) de gente a quem fosse permitido (e fosse mesmo exigido!) permanecer; com vida; com coragem; com saúde; com determinação. Gente que é grande demais para voltar, simplesmente, ao pó. Gente que é a argamassa da eternidade e da memória.




Maria Estefânia Anacoreta.



Sem mais, o seu nome. O nome para a eternidade. O nome dado à memória. De todos os que teve a graça de tocar e de todos os que, lembrando-a, a querem honrar e homenagear. A querem guardar. Aqui vos deixo um exemplo de vida. Tão só: um exemplo (sem adjectivos). Uma Senhora. Uma Grande Senhora! A voz da saudade.

domingo, 10 de maio de 2009

Elogio do Amor Puro

"O que eu quero fazer é o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?
Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram “em diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bioecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há. Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso “dá lá um jeitinho” sentimental.
Amor é amor. É essa beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor é para nos amar, para levar-nos de repente ao céu, a tempo de ainda apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma conveniência assassina.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que se quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
"


Miguel Esteves Cardoso, Último Volume.


(Cortei daqui)




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sábado, 9 de maio de 2009

Sobre Odete, sob a calçada

Recebi, há dias, uma carta electrónica em que me eram apresentados os dados apresentados na declaração de rendimentos (relativos a 2005) da ex-deputada do PCP, Odete Santos. Ciente de que nem tudo o que corre pela rede é verdade, procurei confirmar a veracidade de tais dados que, a serem verdadeiros, seriam um verdadeiro escândalo. Escândalo em face da ideologia que a dita Sra. perfilha e defende. Acredito na adequação da nossa conduta às ideias nas quais acreditamos, logo pouco respeito tenho por quem diz uma coisa e faz outra. Julgo até que o que fez nascer em mim uma repulsa tão grande do socialismo foi sempre ter conhecido "socialistas" que só o eram da boca para fora; ou, como gosto de os descrever, socialistas em casa dos outros. Diria até que, verdadeiros socialistas e verdadeiros comunistas, de palavras, actos e acções, são mais raros do que inocentes no Inferno!





Convivo bem com quem perfilhe essas ideologias totalitárias, respeito os que, puramente, as defendem (por mais inacreditáveis que me pareçam, como são os casos do nazismo ou do comunismo) e nelas acreditam. O ideal de democracia que perfilho admite sempre a discordância e a existência respeitosa de todos os que nela não acreditam – se ela é melhor do que essas ideologias é precisamente porque inclui mais do que exclui. O mundo é feito de infinita diversidade e essa é – e sempre foi para mim – a imensa e admirável obra de Deus!






Ora, procurando confirmar esses dados relativos à Sra. D. Odete Santos, descobri que as declarações de rendimentos dos titulares de cargos públicos (obrigatórias por lei), não só não estão acessíveis aos cidadãos comuns, como, muitas das vezes, nem sequer são entregues por quem tem esse dever! E isto merece atenção. A existência de tal declaração parece-me legítima e fundamental numa democracia, visto que é através dela que todos podemos ter a atitude vigilante que se impõe sobre os nossos representantes. E este escrutínio público em nada invade a esfera privada: quem se candidata ou aceita a nomeação para um cargo público, aceita de imediato as regras do jogo – e essas devem primar pela absoluta transparência. É essa uma das regras fundamentais da democracia. Quem não quiser, não aceita, ou não se candidata: é simples! O que temos, pois, no nosso país é perfeitamente inaceitável num regime que se pretende "democrático". Este véu de neblina, esta ocultação do que é público (ou deve sê-lo), só levanta a suspeita de que muito do que por lá se registará (quando se regista, porque ao que parece nem todos cumprem) levantará grandes dúvidas quanto à sua absoluta e estrita legalidade. E por isso fica à guarda dos amigos do tribunal político, digo, do Tribunal Constitucional. À guarda e trancado a sete chaves. Porque será?



Canção das horas nº 17


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Lições de Pavlov

A Igreja Católica Romana tem um novo Santo: São Nuno de Santa Maria (Nuno Álvares Pereira, o Condestável, de sua graça civil).


A anterior premissa não me parece levantar grandes questões. Numa sociedade onde vigore a liberdade religiosa ela é o que é: um fenómeno interior a uma confissão religiosa. É dentro dela que terá de ser analisado e debatido (se for), segundo as regras e as premissas vigentes nesse determinado culto (se as houver). Mas ao que parece não é assim: na (dita) sociedade livre em que vivemos a Canonização de um Santo da Igreja Católica Romana é um acto político – e político porque debatido, comentado, analisado, escalpelizado, autopsiado na praça pública. É algo singular que só vejo acontecer no que à Igreja Católica Romana diz respeito. Não acontece em relação a nenhuma das outras confissões, cristãs ou não cristãs.


E há um grupo social particularmente activo na discussão dos assuntos internos do catolicismo: respondem pelo nome de Associação Ateísta Portuguesa e, a esses senhores, chegou a minha hora de dizer:


- Basta!


Estou farto e cansado de totalitarismo, de pensamento único, de limitação à liberdade (e quando se trata da minha liberdade sou sempre muito cioso dela!). Não usarei o epíteto "fascistas" porque acho uma tonteira o uso comum que em Portugal se dá a um fenómeno político do socialismo italiano – mas dá vontade de usar, pelo menos naquela asserção "leve" em que ele é usado para designar toda e qualquer forma de pensamento único totalitário, desde que não seja marxista (porque para esse parece só ser possível usar epítetos "doces, sensíveis e messiânicos"). Do mesmo modo como eu acho idiota a simples existência de uma associação ateísta (porque é a constituição de um organismo que visa uma não definição, a definição de uma ausência absoluta, da mais absoluta das ausências, semelhante a uma associação que vise a promoção do Nada enquanto Nada), têm esses senhores todo o direito de pensarem o mesmo da minha religião (a Católica Romana) e de todas as religiões, seitas e filosofias de vida do mundo (do Judaísmo ao Budismo, do Taoísmo à Igreja Bola de Neve). Até têm todo e qualquer direito a acreditarem ou não no que bem lhes aprouver! É essa uma das definições práticas da democracia e da liberdade de pensamento.


Agora, o que não acho normal (nem aceitável porque é uma concepção totalitária, logo, anti-democrática) é que, por ocasião da canonização de um Santo católico, esses senhores se manifestem. A mim, pouco me importa se esses senhores se reúnem, se não, se comem carne ou peixe, se acreditam em Deus ou não. Agora o meu direito a acreditar em Deus, a acreditar em Santos, a acreditar no Pai Natal ou nas virtudes curativas da lua só a mim me dizem respeito. E esses senhores dessa associação nada têm a ver com isso! Acham ridículo o milagre que levou à beatificação de São Nuno? Muito bem, têm todo o direito. Mau era que assim não fosse! Acham os crentes tontos e palermas e atrasados mentais? Muito bem: eu penso exactamente o mesmo em relação à dita associação e daí não vem mal ao mundo! Não compreendam como se pode acreditar em Deus? Óptimo, eu também não compreendo o contrário! O problema eu identifico-o: esses senhores são tão ateístas quanto os elefantes voam! Sendo a definição ateísta uma definição negativa (é-se a_teu – "sem, fora de Deus" – por oposição a quem é "teófilo") a questão da Fé devia ser algo totalmente ausente das suas vidas. Aliás o próprio catolicismo tão odiado o diz: a Fé é um Dom que uns têm, outros não. É simples! É assim com muitos ateus que conheço. Nem sequer pensam em santos ou em religiões ou em qualquer desses "esoterismos". Estão pouco se lixando se existem missas, procissões, canonizações ou crucifixos (bem há alguns que conheço que, não acreditando, adoram arte sacra). O que não se compreende é a obsessão que qualquer acto religioso (mas os actos católicos parecem fazer salivar mais esses entes pavlovianos) lhes suscita. Eu permito-me propor-lhes uma ligeira correcção do nome: devem esses senhores organizar-se como associação anti-religiosa (ou anti-católica se preferirem) portuguesa, e aí sim, poderão e deverão insurgir-se contra tudo o que mexa religiosamente, queimar igrejas, matar frades e todas e quaisquer outras manifestações a que achem por bem dedicar-se. Agora, por amor de Deus, não conspurquem o ateísmo com as posições totalitárias que têm. Porque nunca o ateísmo passou por aí (eu até diria que foi sempre o contrário, mas isso sou eu que sou crente!).




P.S. Só mais uma chega a um "cavalo de batalha" desses senhores. Dizem eles que o "voto de congratulação" aprovado pela Assembleia da República pela canonização de D. Nuno Álvares Pereira é uma intromissão da religião na esfera do Estado. Nada mais falso. Estou certo que o mesmo voto existiria caso se tratasse de qualquer outra religião, ou condecoração entregue por qualquer Estado ou associação com relevo mundial. Porque, no limite do ateísmo, a Igreja Católica Romana é apenas e só um Estado estrangeiro (ou, para os mais incultos, uma associação com delegações pelo mundo). E assim sendo cabe aos representantes políticos portugueses rejubilarem quando as capacidades, as habilidades, o trabalho de um português são premiados. Foi-o para Egas Moniz, Saramago, D. Ximenes Belo e Ramos Horta, foi-o para todos os atletas premiados pelas várias modalidades desportivas mundiais, foi-o para Aristides Sousa Mendes reconhecido como "um justo" pelo Estado Israelita. Do ponto de vista ateu não devia haver diferença entre uma coisa e a outra. Haver é que faz diferença e mostra ao que vêm!...


P.S.2. Sendo a democracia o governo pela maioria; sendo inaceitável a repressão da maioria por uma minoria, conviria lembrar a fria e dura realidade dos números a esses senhores, cuja opinião válida, vale – em democracia – o que vale! Do mesmo modo como o partido mais votado executa a política que propôs aos eleitores, convém relembrar à AAP a sua quase infinita insignificância em relação à comunidade de crentes (de todas as religiões) presente em Portugal. Do mesmo modo que um católico no Irão vale o que vale (e mesmo assim há mais católicos, até no Irão, do que membros da dita associação, o que, diga-se, é notável!), esses senhores valem o que valem. A democracia tem destas coisas engraçadas, não tem?







© Imagem aqui.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Por São Nuno! *

A Igreja Católica Romana tem um novo Santo: São Nuno de Santa Maria (Nuno Álvares Pereira, o Condestável, de sua graça civil). Alegremo-nos! Aleluia! Aleluia!



Desde sempre esta figura esteve presente por . A figura do Condestável do Reino era uma figura amada pelos meus. Uma figura admirada. Tendo nascido aqui próximo, em Cernache do Bonjardim, sempre que lá nos deslocávamos encontrávamos a sua estátua e sempre me lembro de haver alguma referência à sua figura e à sua naturalidade beirã (mais a mais a estátua fica mesmo ao lado da casa de uma prima que visitávamos). Para mais, uma das freguesias que deu origem ao concelho de Ferreira do Zêzere – Águas Belas – foi um morgadio do irmão de D. Nuno e permaneceu na família Pereira até quase ao final do Antigo Regime (um descendente, Duarte Sodré Pereira, seria também Morgado de Águas Belas e estaria na origem de um dos lugares mais conhecidos da capital – o Cais do Sodré), e ainda hoje, diariamente passo junto ao antigo pelourinho que ostenta as armas dessa nobre família. À qual muito devemos, nós, portugueses!


A figura de D. Nuno é admirável. Homem de fé arrebatadora e profunda, combatente vitorioso (mas justo para com os seus inimigos, como ouvi algures, "combatendo sem ódio"), génio militar e político (não terá perdido uma única batalha), herói maior do panteão dos heróis portugueses, ascendeu pelo seu valor, pelo seu mérito, à mais alta posição na nobreza de então. Não é por acaso, certamente, que a sua filha está na origem da mais importante casa da nobreza portuguesa – a Casa de Bragança. Com ele, Portugal iniciou um dos seus períodos mais fantásticos, mais grandiosos, mais admiráveis. Há até quem o veja como sendo o pai do patriotismo, da própria noção de ser português. O que é certo é que, com ele, Portugal separou-se definitivamente de Castela. Sem retorno nem volta a dar-lhe. Nesse sentido é engraçado verificar que ele santificou Portugal (na origem e no sentido de "santo" está a "separação", o viver "separado", ou seja, o santo é o separado). Depois, quando tinha todas as honras e riquezas, fez partilhas com os filhos, desfez-se de tudo o que era seu, deixou a alta posição que ocupava e dedicou-se aos pobres, aos humilhados, aos indigentes. A eles doou os bens e o tempo. Foi um caso raro, ou seja, um caso santo. E fê-lo não tendo sequer professado religiosamente por não se considerar suficientemente digno para ser frade. Fê-lo fazendo os votos, mas não professando. Dando-se por inteiro – pondo-se por inteiro, como diria Ricardo Reis – aos outros, entregando-se, como o fez em tudo o que fez na vida. Ensinou-nos a todos que a vida é para ser vivida intensa e honradamente. Para ser vivida por inteiro, por completo, tomando partido sempre que isso seja necessário! Em tempos de politicamente correcto, indefinições, neutralidades e outras formas de abstenção, o exemplo de São Nuno de Santa Maria é cada vez mais vivo e mais actual – compromete-te sempre e fá-lo sem esquecer os teus irmãos que sofrem, poderia ser um lema a retirar dos seus ensinamentos! E já é tanto e às vezes tão difícil!...




* Citação do antigo grito de guerra português – Por São Jorge! – agora homenageando a figura de São Nuno de Santa Maria, conhecido entre os homens por D. Nuno Álvares Pereira, Condestável do Reino de Portugal, Defensor do Mestre de Aviz.

domingo, 3 de maio de 2009

Coimbra





(...)
E levas em ti guardado
O choro de uma balada
Recordações do passado
O bater da velha cabra.
(...)




* De Coimbra trago as festas e as cicatrizes - o rastro do tempo na pele. Trago a memória da partilha. Trago os risos e as lágrimas. As gargalhadas e as canções. As dores do crescimento. O prazer das descobertas. Os mestres, o sabor do saber e as cabeçadas da vida. Trago os amigos (para a vida, Senhor, para a vida) e os afectos. Trago a capa negra e as noites ao luar. Os jantares e o som da "cabra". Trago os cheiros, o Mondego e as magnólias. Trago as madrugadas do Penedo, as caminhadas sem destino, os pássaros do Botânico. Trago os abraços e as partidas. Trago os F-R-A's e as capas ao ar. Trago as Queimas e as Latadas, os selos e as fitas. Trago as tardes no Tropical, os lanches com da Vénus, os janquinzinhos com arroz de tomate do Quim dos Ossos, o traçadinho do Pratas, o chocolate quente do Quebra, as torradas do "Gil Vicente", os finos do O.A.F, o bolo de chocolate do Rubyana, os cafés do S. José. Trago a Vitrice e o Aviz e o Mil Doce e o Santa Cruz. Trago os que amo que e os que deixei para trás. Trago as noitadas de cinema e os arrepios no teatro. Trago o amor. Trago o fado.

Coimbra comigo sempre. De_cor.

sábado, 2 de maio de 2009

Verdade e opinião pública






Para além do filme a que este tema pertence - Chicago - ser um fabuloso musical, este tema é também uma valiosa lição sobre o que é a verdade. Ou melhor: a verdade como opinião pública, a verdade como coisa pública*. É que a brincar a brincar...








*(Toda a verdade será, por definição e tradição, pública, caso contrário cairá no regime do segredo que é, tradicionalmente, o da ocultação, o da escuridão, o da noite, o da mentira. Não que todo o segredo seja mentira, e toda a publicidade seja verdade. Não. Simplesmente segundo a tradição filosófica ocidental a verdade foi sempre pensada em termos de claridade, iluminação, revelação, publicidade, luz - daí as expressões como "trazer à verdade/ trazer à luz", "descobrir a verdade", "revelar a verdade". Toda uma fotologia a acompanha desde o começo. E por oposição (também essa uma característica do pensamento ocidental, as oposições) a mentira, o segredo, a ocultação revelam-se e velam-se sempre na escuridão, nos véus, na noite, na ausência de luz. Toda uma fotologia negativa acompanha o pensamento do sigilo, do privado, do íntimo.)

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Kafka de comboio


Depois de um passeio pelo coração lisboeta, dirigi-me calmamente à Estação do Oriente (se há coisa que me dá cabo do senso é a mania do galicismo "Gare") a fim de apanhar um comboio que me trouxesse de volta às terras templárias. Como já ia em cima da hora daquele que tinha pensado apanhar, e havendo ligações de hora em hora, resolvi ir comprar o bilhete com antecedência para depois me deliciar com um gelado-frente-ao-Tejo no Vasco da Gama. Subi as escadas que separam o Metro das bilheteiras dos comboios e… o choque! A Estação do Oriente estava transformada numa espécie de zona de caos, entupida de gente, que, pensei eu, abandonava a cidade na sequência da declaração da quarentena motivada pela pandemia-seja-ela-qual-for-mas-vamos-todos-morrer-com-a-peste! Antes fosse… Resolvido a não perder tempo, procurei uma bilheteira com menos clientes. Como a imediatamente oposta estava em idêntico estado caótico, fui para a outra ponta da estação onde – via eu – estavam bilheteiras abertas quase sem ninguém. Esquecia-me eu que em Portugal nunca nada é assim tão simples… Lá chegado e após fazer o meu pedido fui caridosamente informado pelo funcionário da CP que ali só se vendiam bilhetes para comboios suburbanos, devendo-me eu dirigir às sobrelotadas bilheteiras do outro lado. (Respiro fundo). E lá vou eu. O caos continuava, por isso resolvi procurar a fila mais curta para as "úteis" máquinas de bilhetes, na esperança de ainda ter tempo para o meu geladito. (Respiro fundo). Ao fim de 10 minutos, quando faltava apenas uma pessoa antes de mim, o papel acabou e aquela máquina (entretanto a única máquina na Estação a emitir bilhetes, à excepção daquelas destinadas "apenas aos comboios suburbanos" – dupla inspiração funda) tornou-se inútil. (Respiro fundo). Já tomado de, posso dizê-lo, algum azedume, lá enfrentei a fila para uma bilheteira, a qual, começando já a atravessar uma das pontes que ligam ambos os lados da estação, ameaçava encontrar-se com a fila da bilheteira contrária… Atrás de mim um rapaz do norte quase acabava o namoro (?) enquanto berrava com a sua cada-vez-menos-mais-que-tudo que insistia em não perceber/escutar/compreender uma palavra das que ele vociferava em desespero, sem saber se tinha comboio para ir para o "Puerto" e depois para "Nine". De um lado para o outro havia famílias inteiras a correr confusas, a pedir papel para as máquinas, agarradas aos telemóveis com mais interrogações do que respostas, ou simplesmente gente que, já sem comboio (os anúncios de comboios esgotados sucediam-se) sentava-se a pensar no que ia fazer. (Respiro fundo). Vinte minutos depois, chegou a minha vez e pude – finalmente – comprar bilhete. Entretanto o "meu gelado" já tinha ardido, e portanto, só me restou comprar uma "sandocha" e um sumo e ir para a plataforma…



O comboio chegou e nele, nós os refugiados em fuga, conseguimos entrar. Apenas entrar porque era tanta gente apinhada que eu, excentricamente claro está, apenas consegui sentar-me à partida de Santarém (isto, apesar de um distinto Deputado da Nação pelo PEV nunca ter cedido o seu lugar sentado a nenhuma das pessoas a que as regras mandam dar… educações!). Valeu-nos a sorte de termos um revisor que com calma, educação e simpatia conseguiu ir levando a água ao seu moinho, sem problemas de maior, apesar de por lá ter permanecido praticamente todo o tempo em que eu estive de pé. (Respiro fundo prolongadamente).




Alguém poder-me-á explicar por que raio a empresa que todos pagamos com os impostos não é capaz de cumprir com a missão para a qual foi criada? Alguém poder-me-á explicar porque é que, sendo véspera de feriado, de fim-de-semana prolongado, em tempos de crise (logo, não é preciso ser sobredotado, a afluência será sempre maior), a CP é incapaz de: a) colocar comboios a circular que respondam à procura? b) ter bilheteiras em número suficiente para esse aumento de procura? E já agora: em face do caos instalado na "estação central da capital", porque não há medidas de urgência, de adaptação que permitam uma resposta eficaz à procura dos clientes? Mas passa pela cabeça de alguém que, uma empresa cujo objectivo é "transporte de passageiros e mercadorias por via ferroviária" veja isso como uma actividade excedentária? Mas então serve para quê? Apenas para consumir fortunas anuais dos nosso impostos para financiar a incompetência e o laxismo? É pedir muito que me possa deslocar (mais ecologicamente, ainda para mais!) de comboio sem que para isso me sinta sempre no terceiro mundo? Será pedir demais não querer sentir-me enxovalhado junto dos inúmeros turistas que deambulavam (espantadíssimos, claro está!) pelo meio da confusão, porque o meu país simplesmente não consegue funcionar em termos "europeus"? E ainda querem um TGV? Mas para quê se nem para os comboios regionais servem?!



E já agora: alguém poder-me-á informar quando é que Kafka passou a ser obrigatório nos nossos serviços públicos? Desde já muito agradecido! (Respiro fundo)



P.S. Profeticamente o livro que me acompanhava nessa viagem era Carta ao pai de Franz Kafka…


© Imagem aqui.