quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Do mundo, tudo o que quero


Do mundo, tudo o que quero é
prender-te no avesso das minhas pálpebras
para assim jamais deixar de te ver

Clássicos de Natal nº 9

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Sic transit gloria choldra*

" (…) [O Estatuto Político-Administrativo dos Açores] restringe, por lei ordinária, o exercício dos poderes do Presidente da República previstos na Constituição (…)"

"Trata-se de uma solução absurda" [que] "não mais poderá ser corrigida pelos deputados" [que assim ficam] "hipotecados para sempre".

" (…) abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República".

"Está em causa uma questão de lealdade no relacionamento entre órgãos de soberania"

"O que está em causa é o superior interesse do Estado português."

"A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés."

"Ninguém poderá dizer que não fiz tudo para impedir que interesses partidários de ocasião se sobrepusessem aos superiores interesses nacionais."

Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa

Ao que parece, este autêntico cardápio de pérolas republicanas, não foi, ainda assim, suficiente para que alguma medida fosse tomada. Não! Promulga-se algo que se julga catastrófico, apenas em nome da estabilidade e do superior interesse do próprio em conservar o seu cargo. "Convicções para o lixo", poderia ser o subtítulo desta espantosa comunicação à Nação feita pelo Presidente da República. O seráfico Professor Cavaco faz lembrar uma daquelas senhoras que, apesar da cara amassada, do braço partido e dos queixumes sobre o comportamento violento do marido, nada faz, nada muda, nada separa. Come e cala, em bom português!

Por infinitamente menos do que isto o Dr. Sampaio dissolveu a Assembleia da República, por "perigo para as instituições". O Professor Cavaco prefere ver a casa a arder e chorar e espernear e gritar "Eu bem disse! Eu bem disse!"

Por infinitamente menos do que isto, o Grão-duque do Luxemburgo recusou recentemente a promulgação de uma lei da eutanásia, que atentando contra as suas convicções, crê atentar igualmente contra os superiores interesses da Nação.

Por infinitamente menos do que isto, muitas cabeças rolaram noutros tempos, metafórica e não tão metaforicamente!

Contudo, no momento pátrio actual, chora-se, esperneia-se, lamenta-se, discursa-se, indigna-se… e mete-se a cabeça na manjedoura! Como aqui se diz, ao que isto chegou! Ao que isto chegou!


* Corre por aí um boato de que o Sr. D. Carlos I trataria a sua amada pátria por "a choldra"... Sendo isto absolutamente infundado e falso, é falso também que a tão amada pátria fosse, nessa altura, uma choldra. Já no momento actual, choldra é um termo carinhoso para o lugar onde chegámos. Carinhoso e demasiado honroso!

Clássicos de Natal nº 8







Ah-ah-ah-aaaaah
Ah-ah-ah-aaaaah

My own true love
My own true love
At last I've found you
My own true love

No lips but yours
No arms but yours

Will ever lead me
Through Heaven's door

I roamed the Earth
In search of this
I knew I'd know you
Know you by your kiss

And by your kiss
You've shown true love
I'm yours forever
My own true love


My own true love

The music was written by Max Steiner in 1939 as"Tara's Theme" from the film "Gone With The Wind".The lyrics were added by Mack David in 1959.

Este tema, imortal criação para "E tudo o vento levou" - para mim um dos mais belos filmes de sempre - teve a honra de ser "letrado" mais tarde, e interpretado nesta versão por Nana Mouskouri. E que poema! E que interpretação! Sabe bem (re)ouvir! Sabe bem (re)sonhar!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Agarra que é S. Nicolau!

Um dia disseram-me que o Pai Natal (o caixeiro-viajante que distribuía as prendinhas do Menino Jesus, ou, como por cá se dizia simplesmente, distribuía o menino jesus) trazia as prendinhas numa grande sacola às costas. Mais: disseram-me que o dito Sr., por uma qualquer parafilia estranha que não me foi explicada, tinha por hábito entrar na nossa casa pela chaminé (a da sala, não a da cozinha, talvez por aquela pouco se acender, não sei!) afim de deixar no sapatinho (um que lá deixávamos todas as vésperas de Natal) as lembrancinhas. Eu, sempre tomado por um espírito inquiridor, muni-me da locomoção e fui à rua olhar para a chaminé... Rapidamente constatei que era impossível um homem (gordo ou magro que fosse) conseguir entrar pelas pequenas ventanas que a coroam, e assim acabei interiormente com um mito que, na minha cabeça, terá durado 15 segundos.

Insatisfeito, concluí que eram necessárias novas investigações com vista a apurar a vera origem dos presentes que me apareciam no sapatinho. Melhor: era necessário perceber porque é que o Menino Jesus, cândido e amistoso como era no presépio por entre grandes pedras e musgo verde, insistia em encher-me o sapatinho de camisolas interiores Termoteb e meias, em vez de chocolates e aquele carrinho de bombeiros...

A busca pouco durou. Num ápice descobri que a gaveta do fundo da cómoda do quarto, aquela que eu não podia abrir porque podia "cair-me em cima", acomodava, escondidos debaixo de umas camisolas, uns embrulhos que já tinha visto no carro, mas que me tinham sido apresentados como presentes para os mais velhos (por outra estranha parafilia, parece que o Menino Jesus só enviava presentes para as crianças, deixando as outras por conta dos grandes).

Xeque-mate!

Agora, o que não percebo é que raio de estória vendem hoje às crianças para justificar que em cada janela, em cada varanda, em cada alpendre, um Pai Natal, munido de uma escada, pareça estar a invadir cada uma, e todas as casas do país! Eu gosto de lhe chamar a epidemia do Pai Natal assaltante, ou do Pai Natal larápio! Se a tradicional estória já era pouco rebuscada, se hoje ainda houver um miúdo que por entre esta parafernália de ícones da Coca-Cola acredite no Pai Natal (já nem falo do Menino Jesus, porque esse, por acaso o que dá origem à festa, foi banido do discurso da iconografia pseudo-politicamente correcta que nos sufoca o espírito a cada minuto), só posso achar que das duas uma: ou é muito crente, mas mesmo muito, ou então é muito estúpido, mas mesmo muito! Ou como hoje se deve diz, "é um pré-adolescente com necessidades educativas especiais"...

Clássicos de Natal nº 7

domingo, 28 de dezembro de 2008

Clássicos de Natal nº 6

Cantos de Orfeu

(...)


Podia acabar o mundo
Desabar a ponte sobre o Tejo
Que eu viria do fundo do mar
Só para te dar
Mais um beijo.


(...)




Rosa Lobato de Faria / Herman José

sábado, 27 de dezembro de 2008

Por toda a minha vida

Oh! meu bem-amado
Quero fazer-te um juramento, uma canção
Eu prometo, por toda a minha vida
Ser somente tua e amar-te como nunca
Ninguém jamais amou
Ninguém
Oh! meu bem amado, estrela pura aparecida
Eu te amo e te proclamo
O meu amor, o meu amor
Maior que tudo quanto existe
Oh! meu amor

A.C. Jobim/V.Moraes


Por Toda a Minha Vida - Cibelle

Clássicos de Natal nº 5

Barrela

Amor e ódio antigos ao lume novo caíram.
Um lento, o outro não,
em cinza e pó se fizeram.

Da cinza se fez a barrela
e o fogo tudo lavou.

A memória da luz quedou-se
num estendal tocado pelo vento
como lençol batido contra o rio.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Clássicos de Natal nº 3

Parabéns!



Parabéns ao Menino Jesus!!!


Porque o Natal é, no princípio e no fim, a celebração do seu nascimento. Mesmo que esse tenha acontecido noutro lugar, noutro tempo, noutra época. Mesmo que as raízes da festa sejam pré-cristãs, sejam a celebração da vitória da luz sobre as trevas, da vida sobre a morte. Mesmo que os laicismos, o consumismo e outros ismos que tais o tentem fazer esquecer. Mesmo que o Pai Natal da Coca-Cola nos entre pela casa dentro a toda a hora. Mesmo que o espírito esteja apagado no ruído mediático do infantilismo. Mesmo que O esqueçam, esta é a celebração do Seu Nascimento. Da sua primeira vitória. Da sua Vinda. Da sua entrega. Do Seu Amor.


Porque o Natal é, no princípio e no fim, a celebração do Seu nascimento, parabéns ao Menino Jesus! (pronto e lá pelo meio também pode ser: e os sonhos; e as filhozes (ou os belhozes como por cá se diz); e as fatias douradas; e as lampreias de ovos; e as fatias da China; e os bombons; e os coscorões; e as fantasias de Natal; e os papéis coloridos; e as fitas de todas as cores; e o calor da lareira; e a lembrança dos que já cá não estão, mas que foram felizes connosco; e o aroma da nossa infância; e os licores; e o cheiro do musgo; e as cores do presépio; e as meias; e a reunião; e a família; e o coração cheio de todos aqueles que escolhemos que fossem - e sejam - a nossa família!)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Clássicos de Natal nº 2

Corre caballito

Corre caballito, vamos a Belén
a ver a María y al Niño también;
al Niño también dicen los pastores:
que ha nacido un niño cubierto de flores.


El ángel Gabriel anunció a María
que el Niño Divino de ella nacería.
De ella nacería dicen los pastores:
que ha nacido un niño cubierto de flores.


Los tres Reyes Magos vienen del Oriente
y le traen al Niño hermosos presentes.
Hermosos presentes dicen los pastores:
que ha nacido un niño cubierto de flores.


San José y la Virgen, la mula y el buey
fueron los que vieron al Niño nacer.
Al Niño nacer dicen los pastores:
que ha nacido un Niño cubierto de flores.


Aguinaldo Venezolano com Serenata Guayanesa


Corre Caballito - Serenata Guayanesa

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

De mãos sobre os olhos caminho


De mãos sobre os olhos caminho
de estrelas enfeito os teus cabelos
no tapete de corda
nossos pés bailam nus,
os teus sobre os meus
por entre migalhas de romãs,
os teus sobre os meus
aprendem o cheiro do pão quente,
os teus sobre os meus


De mãos sobre os olhos escuto
os círculos da tua voz
na água do cântaro de folha
os teus sobre os meus
bebendo a frescura do jasmim
os teus sobre os meus
no riso dos teus olhos
a dança dos girassóis
os teus sobre os meus


à sombra da tua pele de Verão
respiro o sal e o fruto


_________________________________



De mãos sobre os olhos
caminho
À sombra da tua pele de verão
respiro o sal e o fruto

domingo, 21 de dezembro de 2008

sábado, 20 de dezembro de 2008

Não é normal… ou será?!



Há uns dias atrás, no dia de Nossa Senhora da Conceição, a casa despertou com os telefones todos a tocarem em simultâneo; do outro lado da linha avisavam-me que a M. (uma velha amiga da família, daqueles amigos em que já os avós o eram) havia sido encontrada nua e confusa no patamar do andar onde vive, afirmando haver sido assaltada; mais me diziam que, uma vez chamada a Guarda, esta rapidamente havia constatado que nada se teria passado e que tudo aquilo não passaria de um delírio. Saída a Guarda, quem me chamava e me dizia ser uma vizinha, dizia-me que, uma vez que os bombeiros se recusavam a levar a M. para o hospital por ela recusar essa ajuda, não sabiam como proceder, não tinham contactos da família mais próxima (a M. nunca casou, nem teve irmãos), enfim: não faziam a mais pequena ideia do que fazer.


De pronto lhes disse que iríamos de imediato para lá, devendo apenas levar o tempo necessário para trocar as nossas mórficas vestes por algo mais apresentável. Quando chegámos, a M. não estava tão confusa como ma tinham pintado, reconhecia e falava com nexo com toda a gente, não fosse o permanecer nua, sentada na sanita, e insistir que tinha de ir tomar banho. Das 9.30 às 12.30 lá estivemos nós (bem, mais propriamente a minha madrinha e meia vila!) a convencer a M. a arranjar-se a fim de ir ao hospital fazer exames para saber o que tinha acontecido. A M. lá acedeu finalmente a fazê-lo, não sem antes tomar dois banhos (a M. é ligeiramente obsessivo-compulsiva, tomando 2 banhos por dia, e repetindo os mesmos rituais, mais ou menos à mesma hora, há mais de 50 anos) e vincar que nunca iria de ambulância. Ora nós, na qualidade de amigos mais antigos ali presentes (a minha madrinha conhece a M. desde a meninice), lá nos disponibilizámos para a acompanhar ao Hospital de Nossa Senhora da Graça de Tomar. Assim fizemos, e assim se passou o nosso feriado já que lá permanecemos até às 23.OO, altura em que nos comunicaram (a nós, à G. (a vizinha que havia encontrado a M.) e à G. (prima direita da M. ali presente depois da nossa chamada a meio da tarde) que a M. ficaria em observação naquela noite no S.O., só para acautelar (através de posteriores exames) que o pior já havia passado e que tudo aquilo apenas havia resultado de um pequeno AVC. No dia seguinte, ao fim da manhã, a M. regressou a casa acompanhada pela G. e desde então tem vindo a melhorar a olhos vistos.


Até aqui tudo normal, dentro do padrão de normalidade alargada que a M. convoca sempre à sua volta, devido a ser, aquilo que poderíamos denominar por uma figura. Ímpar e inconfundível! O que não acho de todo normal são três outras coisas.


Em primeiro lugar, a atitude dos bombeiros, ou seja, da (dita) protecção civil. Considerando que não é propriamente corriqueiro e habitual andarmos todos nus nos patamares das escadas dos prédios que habitamos enquanto descrevemos assaltos imaginários, não percebo como é que eles, tal como Pilatos, lavam as suas mãos e pronto. Quem quiser que se amanhe! (note-se que aqui há uns anos, numa situação muito similar cá em casa com a minha tia – pronto, sem o "assalto" e os comportamentos obsessivo-compulsivos – a resposta dos nossos soldados da paz, chamados pela minha madrinha, foi exactamente a mesma: se ela não fosse de livre espontânea vontade (pouco interessa que o uso das faculdades mentais que suportam a mesma não esteja ao seu melhor nível), não a podiam obrigar…) Ao que parece (e vendo-a como a comprei), apenas o Delegado de Saúde poderá "decretar" a coisa, o que, atente-se, é muito prático e exequível no caso da vítima em causa ter alguma patologia que necessite de cuidados médicos rápidos. Ou não!


Em segundo lugar, a atitude de uma outra vizinha. A jovem criatura, estando a sair de casa à hora do sucedido, e tendo de passar pela M. para chegar à porta do prédio, afirmou não ter nada que ver com aquilo. Logo saiu e lavou a sua consciência, o que me faz pensar em que raio de cornos de cabras (ou bicho menos simpático) esta gente foi enxertada, para ser capaz de passar por alguém naquela situação e não ter a mínima compaixão. Estranho e triste mundo este em que vivemos! É em horas destas que me lembro de uma frase da qual não gosto, mas que é merecida para bichos (sem ofensa para todos os bichos do mundo, muito mais éticos do que muito cabredo humano) destes: "o que é teu está guardado!"


Em terceiro lugar, a atitude da comunidade. Nomeadamente, a atitude em relação a nós. Isto é: ao que parece somos "altamente louvados" pelo nosso acto, "coisa benemérita", e coisa que "mais ninguém" faria… afinal, prescindimos do nosso feriado para acompanhar-mos alguém que não era nosso parente directo, passámos o dia sem comer decentemente, e ainda gastámos gasolina e telefone. Um luxo portanto!


Não sei se ria se chore. E aqui reside a minha maior perplexidade: o que haverá de tão estranho em socorrer e amparar alguém que precisa? Mas se não fossemos nós, ninguém faria o mesmo? Ou melhor? Caramba: mas se fosse outra pessoa, alguém que eu nunca tivesse visto na vida, marimbava-me e não fazia nada? Alguém achará mesmo isso? Mas que raio de sociedade é esta que estamos todos a construir em que se parece ter perdido a noção do essencial. É que, bem me lembro, há uns 20 anos atrás nada disto seria caso de espanto, muito pelo contrário: era normal e mais ou menos usual. Quem precisava recebia ajuda da família, dos amigos, dos vizinhos, etc. E não havia propriamente hossanas por causa disso. Mas isto, isto que vivemos, incomoda-me. Muito. E deixa-me, de certa maneira, piúrso. Incomoda-me ao ponto de nem sequer ser capaz de entender. Estes espantos com aquilo que considero normal, ou melhor, aquilo que considero o mínimo aceitável, são –parece-me – o sinal de algo podre no reino da Dinamarca. De algo muito podre no reino de Portugal. Chegados aqui, temo que não tenhamos regresso, e a ser assim, tempos de aço nos esperam. Atenção que não me esqueço do lado luminoso, dos milhões de pessoas capazes de tudo fazerem pelo outro, dos milhões capazes de compaixão, de humanidade. Não. Mas julgo que este tipo de pensamento (e não-actos), aliado à infantilização do discurso da sociedade civil (que se comprova com 5 minutos de qualquer jornal televisivo), à fragilidade das instituições, bem como à erosão dos tradicionais valores judaico-cristãos inspiradores do humanismo contemporâneo, ainda nos vai dar muitos amargos de boca. Oxalá assim não seja! Oxalá!

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Se me comovesse o amor

Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.


Francisco José Viegas

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Nimarói

Let me cry for all these little men
Building their bridges of sand:
Nothing more than children, with children on their hands.

Deep into their silence, stronger than their words,
Runs a cold wild river to the sea of love.


I’m the cleaning Lady of the broken hearts.
I’m the Virgin Mary of the psychopaths.
I’m god’s only witness that they fall apart
When they touch the fire of the ancient stars

When the rain starts falling on their hearts,
All Hitler’s and Bonaparte’s
Hide inside my red dress like motherless pets.
They produce the tears, they invent the bombs,
They spread out the fears
And they come home all alone.

Belle Chase Hotel



Nimarói - Belle Chase Hotel

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Sobre a Grécia

A violência das margens

Imagine-se que um polícia grego matou a tiro o skinhead que o apedrejara. Imagine-se também que, manipulados por partidos de extrema-direita e líderes populistas, milhares de "cabeças rapadas" vingavam a morte do companheiro e espalhavam violência por Atenas, destruindo símbolos do "sistema" capitalista que abominam e a propriedade de quem calhava. Imagine-se ainda que a raiva se alastrava a mais cidades gregas e europeias. E imagine-se o que diriam os "media" em peso. Provavelmente, diriam que, ante a complacência das autoridades, as democracias estavam ameaçadas pelo ódio. Com razão, inúmeros comentadores preocupados regressariam aos anos 1920 e invocariam os métodos do fascismo italiano e do nazismo alemão, que se afirmaram igualmente pela "rua" e pela desordem. Uma ou duas manchetes lúgubres anunciariam a nova idade das trevas.No que respeita à realidade, não é preciso imaginar muito. O exercício é meramente lexical: basta trocar "skinhead" por "anarquista", "populistas" por "sindicalistas", "extrema-direita" por "extrema-esquerda", "cabeças rapadas" por "comunistas", "anos 1920" por "Maio de 1968", "fascismo" por "leninismo", etc. Como as chamas em Atenas, "capitalismo" e "ódio" nem necessitariam de alterações. O esforço de imaginação é requerido somente por aquele género de jornalismo, português e estrangeiro, que agora se contorce a fim de suavizar, explicar e, vamos lá, legitimar a selvajaria em curso na Grécia. Dois ou três "telejornais" chegam para captar o tom "romântico" com que se cobrem (nos dois sentidos) as atrocidades que afinal não são atrocidades, mas uma "explosão social", fruto do descontentamento dos "estudantes", coitadinhos, face ao (eleito) governo local, à crise económica e à "falta de alternativas". Se o caos grego tem alguma utilidade, não é a de escusadamente nos lembrar a essência totalitária e criminosa de ambos os radicalismos ideológicos: é a de nos avisar contra os aparentes modelos de isenção que tremem de medo perante um e de excitação perante o outro.


Alberto Gonçalves (in: DN, Domingo, 14 de Dezembro de 2008)


(Mais um texto de AG que considero e-x-e-m-p-l-a-r!)

domingo, 14 de dezembro de 2008

(Ficas toda perfumada)


Ficas toda perfumada de passar por baixo do vento que vem
do lado reluzente das laranjeiras.
E crepitam-me as pontas dos dedos ao supor-te no escuro.
Queimavas-me junto às unhas.
E a queimadura subia por antebraço e braço
ao coração sacudido. Eu - perfumado
e queimado por dentro: um laço feito de odor
transposto, ar fosforescendo, uma árvore
banhada
nocturnamente. Tudo em mim trazido
súbito
para o meio.
Quando este saco de sangue rodava
defronte da abertura
prodigiosa.



Herberto Helder

sábado, 13 de dezembro de 2008

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Da ordem

Olho para os tumultos e a arruaça na Grécia e penso: "é por estas e por outras que eu nunca seria ou serei de esquerda". É mesmo uma impossibilidade visceral. Não consigo achar minimamente justo, sequer aceitável, uma situação como aquela. Aprecio a ordem, a calma pública, a acção seguradora da polícia (para julgar os possíveis abusos da polícia – parece ter sido esse o gatilho da arruaça – existem os tribunais, que é para isso que servem). Acredito mesmo que um dos principais pilares de qualquer Estado de Direito (senão o principal) é a segurança interna, a segurança pública, a segurança de pessoas e bens. Agrada-me a velha ideia liberal oitocentista que metaforizava o Estado no guarda-nocturno. É uma imagem que me sossega, que me pacifica, que me acalma. Talvez isto seja influência de, em tempos de faculdade, ter lido o Leviathan de Thomas Hobbes. Talvez. Mas acho que uma qualquer sociedade, só o é, se sentir segurança. Se se sentir segura. Daí que as questões de segurança interna e justiça sempre me captem a atenção. Daí que não consiga perceber as célebres concepções de esquerda da desculpabilização do criminoso, o qual nunca, mas mesmo nunca, tem culpa dos seus actos: ele só mata, ele só rouba, ele só viola porque a) também lho fizeram a ele; b) é uma vítima da sociedade; c) é pobre; d) tem traumas de infância; e) o raio que os parta! Fico fora de mim quando oiço alarvidades destas, afinal: porque raio há-de alguém ser morto só porque outrem se sente muito injustiçado? Essas balelas (e já nem falo nas psicologices do arco da velha), quando muito, servem para explicar – em certos casos, muito restritos, onde é possível aferir o encadeamento dos factos, e, vá lá, já com muito boa vontade – a raiz do comportamento criminoso, nunca para desculpabilizar. Explicar não é, nem nunca foi, desculpabilizar.


E não sou de esquerda porque acho que o protesto, sendo livre, tem limites. Nomeadamente a vida dos outros. A vida e os seus bens. A partir da primeira pedra arremessada, a partir do primeiro vidro partido, a partir do primeiro risco feito no bem de outrem ou no bem público, podem contar comigo como um firme opositor. Esteja o que estiver em causa! Por muito justa que possa ser a causa, a partir do momento em que há arruaça (ou pior, a partir do momento em que há mortos, coisa muito comum nas guerrilhas e nos sempre auto-proclamados movimentos de libertação) fico fora de mim. Renego e abomino todos os Maios - tão cantados pela esquerda – que por aí vão havendo. Faz-me confusão o estado de sítio, a anarquia, o reino do puro mal e de toda a violência possível. Não percebo como é que partir montras, saquear lojas, ou incendiar automóveis há-de ser uma forma de protesto contra alguma coisa. Se quiserem partam as suas próprias coisas, é simples! Incendeiam os seus automóveis e protestam contra a América. Partem os vidros das suas casas e protestam contra o desemprego (acho sempre curioso um protesto contra uma negatividade, uma ausência). Aí, não tenho nada a ver com isso. Agora, mal pegam numa pedra da calçada, da calçada que também é minha, estão a violar os meus direitos, estão a agredir-me. E quero justiça! Aquilo que se passa na Grécia (e que costumamos ver nos famosos "protestos anti-globalização", vulgo arruaça e anarquia da esquerda globalizada, pouco lavada, e com uma forte tendência para a ladroagem) é pura arruaça. E é nestes momentos que me apetece gritar com Sarkozy que esta gente não passa de racaille! Ou em bom português, não passa de escumalha! Oiço que são estudantes, muitos deles universitários… é que é coisa que nem sequer consigo conceber. Gente que faz isto, gente que se diverte a destruir a vida dos próximos não se chama estudante, não sabe nada, nem sequer algum dia vislumbrou a doce Atena nem numa manhã de nevoeiro: normalmente chama-se "criminoso", ou até, "terrorista". E o que é mais interessante é que, defendendo as supostas ideologias comunitaristas, socializantes e colectivistas (e todas as aspas do mundo eram poucas para ironizar a este respeito), esta gente diverte-se a destruir o sócios, a comunidade, a polis. Logo, são eles o rosto do puro egoísmo interesseiro. O rosto da destruição e da maldade. O rosto da guerra, pois então. Prendam-se e julguem-se! Que respondam pelos seus actos. E que alguém lhes possa ensinar o significado de palavras tais como "liberdade", "democracia", "outro", "respeito"…

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Sinai

Ardo todo luzente
Ardo como a sarça do Sinai.
Quem ma ateou?
Tu com um fósforo descuidado
Tu com um fósforo apagado.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Os gestos

Há horas em que fico exaurido, exausto, vazio. Nada tenho para dizer. Nada tenho para te dizer.
São os momentos em que me recosto e fico – simplesmente – a olhar-te. A admirar-te. Toda a beleza do mundo está nos teus gestos. E nesse silêncio amo-te mais do que nunca. Do que sempre.
E assim fico, todo vindo de ti, num frenesim de sensualidade e quietude. Simplesmente a adorar-te. Mais nada.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Nuas e impuras

Escrevo uns versos e rasgo as palavras.
As palavras devem ser habitadas
E as minhas, de tão ocas, estão mudas

Escrevo uns versos e rasgo as palavras
E fico a vê-las, traquinas, escondidas
Nuas e impuras umas atrás das outras


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Arraial, Arraial, pela Rainha de Portugal!


Interior da Ermida de Nossa Senhora da Conceição, Rainha de Portugal, em Tomar

Ah valentes!

Estou fascinado por esta colecção, Portuguesas Com História, de Anabela Natário. Só tendo ainda recebido o primeiro volume (referente ao período compreendido entre os séculos X a XIII), ando a contar os dias para que chegue o próximo. Escrito de maneira inteligente e acessível, intrigante e apaixonante, pelas suas páginas vão desfilando as mulheres que fizeram a história portuguesa, desde o alvor da portugalidade (com Mumadona Dias, fundadora de Guimarães) até à actualidade (embora para lá chegar ainda me faltem 5 volumes). É assim uma história do silêncio, ou melhor, do muito que a História tem silenciado; a saber: o papel decisivo das mulheres, da mulher, na formação e consolidação da nossa cultura e da nossa nação. Mas sem feminismos anacrónicos como é voga ver-se e usar-se por estas bravas terras. É, nesse sentido, também uma desconstrução do feminismo, pelo menos do feminismo de importação-de-trazer-por-casa, de origens francófonas e que muito deve a Beauvoir & Companhias. Uma pérola, pois!

Com um ritmo narrativo rápido e sedutor, Anabela Natário leva-nos a questionar os mitos fundadores de grande parte desse mesmo feminismo, na maior parte das vezes, ou fruto de simples importação sem atenção à idiossincrasia nacional (ou pelo menos peninsular, vá lá!), ou simplesmente fruto de análises histórico-sociais precipitadas, normalmente elitistas e urbanas, que tomando a nuvem por Juno, elaboram extrapolações sobre a condição feminina em Portugal ao longo dos tempos sem qualquer contacto com a realidade. Esse será, de resto, um problema comum nas ditas ciências sociais e humanas, ou, como prefiro chamar-lhes renunciando à obsessão cientista, no campo das humanidades e das artes – quase todas as teorias sociais, históricas, económicas, filosóficas, etc, foram importadas (sticto senso) sem qualquer atenção às (muitas) particularidades da realidade nacional, gerando um mundo de equívocos e lugares comuns que, colados a uma realidade diferente daquela para a qual foram elaborados, nunca se livram de causar uma certa estranheza. E incómodo. Ora, num país onde nunca terá havido "camponeses e operários" para justificar certas revoluções e afins, pelo menos camponeses e operários que encaixem nas restritas definições deles dadas na Inglaterra da Revolução Industrial, não admira que também no que concerne ao feminismo o mesmo tenha acontecido. Assim, neste livro (e presumo que nos volumes seguintes o mesmo aconteça) encontramos várias mulheres que, contra todas as nossas expectativas (minadas pelas noções que a cultura simplesmente estrangeirada nos deu), foram não só decisivas na evolução histórica portuguesa, como ibérica e até europeia. Estranha coisa, quando nos bancos das nossas escolas e universidades ainda é comum falar-se da simples submissão feminina ao poder masculino.


O que aqui encontramos é a desconstrução de um certo falocentrismo do feminismo, ou seja, a estranha obsessão (diria que freudiana) do feminismo se definir como oposição ao falo, ao mundo masculino, ao machismo. Encontramos neste primeiro volume uma sociedade onde ambos os sexos, homens e mulheres, são "escravos" das razões de Estado – relembre-se que estamos ao nível da história das elites e não da história do povo comum, essa, porventura, muito mais igualitária do que as elites o possam pensar -, por igual, sem se poder encontrar a subjugação de umas pelos outros. Muito pelo contrário: a vida das nossas damas e infantas revela que, para além do poder económico, muitas delas detiveram, usaram e deleitaram-se com o poder militar, político e cultural, jogando no grande tabuleiro da história europeia, enredando-se nos seus segredos, e fazendo, não poucas vezes, xeque-mate! E ao contrário do que se possa pensar, mesmo os mais avisados sobre isto, não foi apenas através do poder sensual, ou mais cruamente, através do sexo. Não! O poder que estas mulheres tiveram rivalizou com o dos homens, seus irmãos, seus pais, seus maridos, seus amantes, seus filhos. Detentoras de exércitos, de bens avultados, de liberdade de movimentos, nunca hesitaram em defender os seus interesses e os dos que protegiam e amavam (quem sabia que, quando lemos nos livros que determinada rainha ou infanta se recolheu a um convento, isso não significa que tenha professado, muito pelo contrário: na maioria das vezes essa é uma medida de autonomia - afastam-se da exposição pública ganhando liberdade de movimentos, para além de levarem uma corte pessoal - e de protecção, mantendo elas o controlo sobre todos os seus bens e rendas, e deles dispondo a seu bel-prazer, inclusive contra a vontade de alguns monarcas?).


Para mim que desde tenra idade considerava a Idade Média como uma época chata e aborrecida, onde apenas havia feudalismo e guerras religiosas, é interessante e surpreendente verificar que a Idade Média precedeu em grande medida, não o Renascimento, mas a Idade Contemporânea! Em certa medida arriscaria dizer que o que esta obra nos mostra é que a verdadeira Idade das Trevas veio sim, por certa via, curiosamente, com a Idade Moderna. Desde uniões de facto a conceitos muito muito muito alargados de família, passando pela promoção da música e da leitura, até ao constante confronto com o poder clerical, de tudo encontraremos nesses tempos recuados. Para quem foi descrita na história apenas como filha, esposa e mãe submissa, é de convir que o perfil de mulher independente e poderosa é, à partida, uma surpresa. Delicioso! Cá nos encontraremos para seguir esta saga!

domingo, 7 de dezembro de 2008

La barca

Dicen que la distancia es el olvido
Pero yo no concibo esta razón
Porque yo seguiré siendo el cautivo
De los caprichos de tu corazón

Supiste esclarecer mis pensamientos
Me diste la verdad que yo soñé
Ahuyentaste de mí los sufrimientos
En la primera noche que te amé

Hoy mi playa se viste de amargura
Porque tu barca tiene que partir
A cruzar otros mares de locura
Cuida que no naufrague tu vivir

Cuando la luz del sol se esté apagando
Y te sientas cansada de vagar
Piensa que yo por ti estaré esperando
Hasta que tú decidas regresar

Roberto Cantoral . Caetano Veloso


La Barca - Caetano Veloso

sábado, 6 de dezembro de 2008

E pluribus unum

Porque hoje é sábado fomos presenteados com uma vera amostra do país real (ou irreal, como se preferir). Diz-nos o DN que, na equipa de juniores da Casa do Benfica das Caldas da Rainha, os actos homossexuais no balneário são punidos com multa de 40 cêntimos.

Todo o artigo apela ao senso surrealista de cada um. Ao que parece trata-se de um regulamento interno em que são estipuladas coimas para vários comportamentos desviantes (presumo) dos jovens atletas. Aqueles passam por várias situações, que vão desde o "uso de telemóvel no balneário" (0,15€) até ao "cartão vermelho (anti desportivo [sic])" punido com 5€. Pelo meio vamos encontrar outras coimas por coisas como "atraso ao treino" (0,20€ por minuto), "tocar o telemóvel no balneário" (0,20€), "urinar no chuveiro" (0,50€), "cartão amarelo" (0,50€), "gases perturbadores (peidos)" [sic] (0,20€), ou "chapadas no rabo do colega" (1€) – para quem quiser deliciar-se a ler todas as "infracções", veja aqui.

Em face disto nem percebo porque só o item "actos homossexuais" causa brado nas touradas. Tirando as coimas que visam promover um mínimo de higiene e civilidade, todo o documento é uma pérola de lirismo e de refinamento cultural. Algumas curiosidades:

1 – Considerando que faz sentido que as faltas injustificadas (ao treino ou aos jogos), os comportamentos anti-desportivos e os atrasos (uma vez que calculada a coima por minuto) sejam alvo das coimas mais elevadas – são estes os comportamentos promotores da pontualidade, do espírito de equipa e do tão apregoado espírito desportivo -, não se entende porque é que o "cartão amarelo" é punido com um valor tão baixo, já que pode ter origem num comportamento agressivo do jogador ou desrespeitador dos outros intervenientes no jogo (repare-se que o "desrespeito perante um colega" é punido apenas com 0,80€!).

2 – Pergunto-me o que terá ditado a existência do dito regulamento interno, considerando que a necessidade de legislação é normalmente ditada por um apelo do real; mais: se bem me lembro das "fontes do direito", diz a doutrina jurídica que a lei tem como fonte os "usos e costumes". Logo, daqui pode concluir-se que os tais "actos sexuais homossexuais" fazem já parte do modus vivendi da equipa.

3 – Olhando para os valores das coimas facilmente se percebe que aqueles que têm um valor mais elevado incidem sobre os comportamentos mais reprováveis, e o inverso para os de valor mais baixo. Mais: usualmente o valor inferior será sempre atribuído a um comportamento mais recorrente do que a um menos; ou seja: é normal (e desejável!) que ocorram mais vezes as infracções relativas aos telemóveis, do que as punições disciplinares. A esta luz, arrisco dizer que o "acto homossexual" será mais usual do que a "chapada no rabo", uma vez que o valor da coima do segundo é mais do dobro da do primeiro (relembro que as multas mais elevadas são sempre para actos mais condenáveis e, usualmente, até por isso mesmo, com menor ocorrência).

4 – Urge esclarecer a população em geral - e os jovens interessados em particular - do que é entendido por "acto homossexual", uma vez que já se percebe pelo regulamento que disso não se entende "chapadas no rabo do colega". Isso, todos sabemos, pelo menos todos os que já frequentaram algum balneário de rapazes adolescentes, é não só usual e recorrente (only God would know why, or not!), como é – naturalmente, claro está, está-se logo a ver – coisa de homem! Perdão: coisa de Omem!

5 – Conclui-se que é mais barato praticar um "acto sexual homossexual" do que "chegar atrasado". Logo, quando o Mister (ainda me hão-de explicar o porquê desta expressão) perguntar onde andaram, será melhor dizer que estiveram ali a penetrar o Fulano, ou a acariciar-lhe o viril membro sexual... Sabendo nós que tuga que é tuga arranja todos os estratagemas para não pagar as coimas que lhe são impostas, a par da célebre tradição nacional de nunca chegar a horas a lado nenhum (mea culpa, mea culpa!), já se pode imaginar a verdadeira revolução cor-de-rosa que irá naquela equipa!...

6 – Uma vez que o dito regulamento se cinge apenas à equipa de juniores, presumo que na sénior, a existir, o mesmo não se aplique. O que é, desde logo, uma pena e, à partida, uma descriminação intolerável.


7 – Pergunto-me (uma vez que o regulamento é omisso) de qual a coima (a haver) em caso de "acto sexual heterossexual e/ou bissexual", "orgia", "bondage", "zoofilia" (presumo que particularmente grave em casos que envolvam águias), e outras práticas sexuais mais heterodoxas… O mesmo se passa com um "acto sexual homossexual" com "palmadinhas no rabo": o que fazer? Aplica-se o regulamento cumulativamente, ou leva-se em consideração o espírito do legislador da mais recente versão do Código Penal, e, como lá a propósito do "acto pedófilo continuado", conta-se como uma única infracção? Por falar em pedofilia: um "acto homossexual pedófilo" enquadra-se na definição de "acto sexual homossexual" ou não? (Considere-se a propósito que as questões relativas ao consentimento para o acto sexual e à sua idade poderão concorrer para diferentes entendimentos jurisprudenciais a respeito. Aguarda-se o esclarecimento)

8 – Atentando ao número de jovens portugueses que já consumiram "substâncias ilícitas" e ao número médio de vezes, talvez uma norma sobre uso de drogas viesse a calhar… Não sei, é apenas uma sugestão.


9 – Considerando que 0,40€ é menos do que o preço de um café, só me ocorre saudar os responsáveis pela Casa do Benfica das Caldas da Rainha que, assim, admitem a existência de homossexuais a jogar futebol, e, o que causa ainda mais espanto, no Benfica! Só lhes fica bem, honrando assim a terra-adoptiva e a criatividade do grande Raphael Bordallo-Pinheiro! E só demonstra que o Portugal profundo é muito mais liberal do que as suas elites o julgam… Afinal só se pede que os jogadores homossexuais não andem no balneário em brincadeiras perigosas – é que, para além de se atrasarem, pode estragar a concentração...


Sic transit gloria mundi!

Esperas

"(…) A princesa, compadecida por tão puro amor, disse-lhe então que se ele ficasse cem dias e sem noites debaixo da sua janela, lhe votaria um amor igual. (…) Conto Antigo

© Cobra, iô-iô



Como na fábula te aguardei, te guardei, te esperei debaixo da janela. Debaixo da tua janela. Mudavam as horas, soavam os sinos, e eu lá ia na penumbra da noite, guardar a tua janela. Mais de cem noites o fiz, mais de cem. Sempre que te sentia a falta, sempre que te sentia mais a falta, eu lá estava, noite após noite, umas vezes enregelado pelo frio, outras pingado pela chuva, mas eu lá estava. Debaixo da tua janela o ar tinha outro cheiro e a lua brilhava muitomuitomuito mais. Debaixo da tua janela te esperei, em silêncio, abrigado na escuridão da noite. Lá contemplei as sobras de ti que me chegavam, um vulto, as réstias de luz da televisão acesa enquanto dormias. Algumas noites cheguei antes de ti, noutras, simplesmente, já estavas a dormir. E eu a vaguear. Debaixo da tua janela fiz todas as orações do mundo, todas as orações que a terra pode parir num parto longo e doloroso. Debaixo da tua janela rezei. Por ti, por nós, por ti e por mim. Tantas horas debaixo daquele parapeito, para estar mais perto, para estar juntinho a ti. Para te proteger o sono, para afugentar todos os teus fantasmas.


Ter-me-ás sentido algum dia? Algum dia terás sentido a minha presença? Acredito que sim. Sinceramente acredito que sim. Tu sempre me soubeste por perto, sempre soubeste adivinhar que eu ali estava, que eu ali estava, nunca longe, nunca definitivamente longe. É uma das nossas coisas, esta capacidade de nos sabermos, de nos reconhecermos, de nos sentirmos, para além de todos os tempos, para além de todas as distâncias, sempre perto, sempre lado a lado. Sem nunca nos separarmos. Sem nunca dizer-mos adeus. Sabemos sempre um onde o outro está. Como está.


É como aquele sonho que um dia tivemos, numa noite em que tivemos o mesmo sonho: eu sentado com a tua mão apoiada no meu ombro; tu de pé, atrás de mim, a derramares os teus beijos na minha cabeça enquanto me abraçavas. Lembras-te? Nunca te vi, mas sempre soube que eras tu. Senti-te. Senti-te o cheiro e a força. Senti-te o amor e a ternura. Senti-te como te sinto tantas e tantas vezes.


Tu sempre me soubeste lá em baixo. E eu sempre soube que tu o saberias.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

...







Antes de mim ninguém
depois também ninguém
Serei eterno sobre as águas
repousando em teu ventre.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Resistências

A propósito do novo filme que por aí estreou sobre a Amália Rodrigues, hoje li no meu DN uma pequena entrevista com uma amiga dela, Estrela Carvas. A dado passo diz ela sobre as relações amorosas da Diva: " [Ricardo Espírito Santo] A Amália tinha uma simpatia e uma amizade enorme por ele. (…) Mas nada mais do que isso. (…) A grande paixão da vida dela foi o [Eduardo] Ricciardi. E, segundo o meu conceito, o grande amor da vida dela foi o César [Seabra]. Um grande amor é aquele que resiste ao tempo. (…)" [sublinhado meu].





No Comments.

Estória oriental

Uma orquídea nasceu onde havia uma velha fonte. Ao reparar que sobre si, uma bela magnólia se erguia, pensou: “que belas serão as suas flores, e quão agradável deve ser o seu cheiro nas noites temperadas de Primavera”. Passaram-se as estações e a árvore não floresceu.
Um dia um homem passou junto a elas e exclamou: “- Bela tília esta! Que agradável deve ser o seu chá!” A orquídea riu baixinho por o homem ser tão cego. Passaram-se as estações e a árvore não floresceu.
Um dia outro homem ali passou, e olhando-a exclamou: “- Que belo plátano este é! Que agradável será a sua sombra!” A orquídea riu baixinho da sandice deste homem. Passaram-se as estações. Um dia a árvore, por fim, floresceu.
Um homem ao passar exclamou: “-Que bela figueira esta é! E que lindos figos!” A orquídea riu baixinho e pensou: que loucura a dos homens que nunca vêem as flores onde elas estão.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Vinda II

De carne e de seda brotarão rosas em chamas
da tua pele de lava incandescente.
E as minhas mãos desenharão um sorriso
na tua boca toda de cerejas.


Juntos caminharemos sobre o mar e
com as minhas mãos te ungirei
- Bem da criação das aves que cantam,
sagrado o tempo habitado em ti.


Vem
eu te salvarei!



segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Arraial, Arraial...

Quando o mundo nos dinamita a esperança e esta nossa khôra pátria parece estar cada vez mais afundada e triste; quando o dia que hoje se comemora começa a parecer um simples acto de arrivismo social de uma sevilhana traumatizada de classe ("mesmo que a morte seja consequência da Coroa, antes morrer reinando do que acabar servindo!"); quando o dia que hoje se comemora começa a parecer um tremendo erro histórico...

... Eis que o Príncipe nos vem apanhar do chão e consolar (é também essa a sua função!), relembrando-nos quem somos. Quem fomos e quem somos. E seremos sempre. Por muito que o tentem apagar. Por muito que o queriam destruir. Há algo que permanecerá sempre. Os nossos valores, as nossas tradições, a nossa rectidão e a nossa coragem, esses permanecerão sempre. E a heroicidade dos que nos precederam e nos indicaram o caminho. Assim o queiramos lembrar. Assim os queiramos honrar! Assim o queiramos! Oxalá o queiramos...


Então, juntando a nossa voz à daqueles de há 368 anos, gritemos a plenos pulmões.


"Arraial, arraial, por El-Rei de Portugal!!!"


Viva Portugal, pois! E viva o Rei! (porque se não for ele, ai ai...)

Retrato do Cavaleiro quando Jovem

Não sei se já nos havíamos encontrado antes. Se tiver acontecido, não nos encontrámos mesmo. Mas lembro-me que num dia especial, o dia em que a instituição castrense me dispensou do serviço à Pátria, nos encontrámos, casualmente, à hora de almoço. Um dia luminoso de sol, com o Tejo e a luz de Lisboa toda a banhar-me o sorriso. Entrei na sala, virei à esquerda e lá estava ele. Julgo que já lá estivesse há muito tempo, mas isso também não interessa: a partir de então passou a estar lá para mim, para mim (sou egocêntrico, pois sou!)! Nunca mais me abandonou: desde então, uma imagem sua acompanha-me no meu espaço, no meu lugar – na minha khôra. Fascina-me a sua nobreza. Fascina-me a sua tristeza. Fascina-me a sua solidão. Se há imagem da solidão esta é uma delas. E é esta, também, por causa da sua história, das suas cicatrizes. Por causa do seu rastro ténue e esvaecido nos nevoeiros…

Responde pelo nome Retrato de Jovem Cavaleiro e é a minha obra do Museu Nacional de Arte Antiga. O pouco que se sabe sobre esta obra é que o seu autor é desconhecido, que será do século XVI (1540-1560), e que o jovem cavaleiro também é desconhecido. Mais, apenas reza que: “O quadro retrata um jovem cavaleiro representado em busto a três quartos. Enverga uma armadura de aparato, tauxiada de ouro, de cuja gorgeira metálica forrada a veludo vermelho sai uma gola de renda branca encanunada que lhe emoldura o rosto de feições finas e delicadas. Sobre a armadura sobressai, a tiracolo, uma faixa ou banda de seda vermelho alaranjada, sinal do poder por ele detido. Segundo Adriano de Gusmão, este quadro é um fragmento de uma tela maior, pelo que é provável que o cavaleiro ostentasse, para além da faixa/insígnia de comando militar, o bastão de comando usado pelos cabos de guerra”; que tem de altura 47 cm, e de largura 34 cm; e que a sua incorporação no MNAT foi feita através de compra à colecção Guerra Junqueiro (verba do legado Valmor). Nada mais. Nenhuma outra pista. Absolutamente, nada mais.

Sozinho no seu retrato (como convém) este Jovem Cavaleiro é refém da sua própria vontade. Quis imortalizar-se, quis perdurar para além da morte, para sempre. Para isso procurou um artífice do tempo, um artista, para o imortalizar, imortalizando-se. Ambos perderam a batalha contra o tempo. Ambos estão irremediavelmente perdidos, apenas restando deles, dos dois, este rosto triste e solitário, um menino armado cavaleiro, um menino ainda, que, dita-o a cronologia, terá acompanhado – talvez, podemos e devemos sonhá-lo – já homem feito, o ainda menino-Rei Sebastião nas quentes e sangrentas areias de Alcácer-Quibir. Um prometido à morte. Terá lá morrido, terá vivido, terá sobrevivido? Nada nos diz o Tempo. Apenas sabemos que ele, este rosto, este rosto triste e solitário, existiu sobre as pedras deste espaço a que se chamou Portugal. Por ele terá combatido, e talvez por ele tenha também morrido. Anonimamente morto, nas areias do Império e na memória dos seus. Para sempre. Mais morto do que se apenas desaparecido da face da terra. Não! O meu Jovem Cavaleiro permanece a fitar o seu próprio destino, a desafiar a imortalidade, na sua juventude fulgurante, para sempre. Preso para sempre no seu próprio desejo auto-ego-poiético-biográfico. Preso para sempre, sem descanso, sem repouso, numa imagem que, quis um dia, perdurasse.

Não será este também o nosso eterno e inconfessado desejo? A vontade de per_durar, a vontade de não desaparecer, de nos sabermos duráveis, eternos no nosso delírio autopoiético? Mas, a questão deve pôr-se: valerá a pena permanecer sem nome - afinal o que haverá de mais próprio do que um nome, o nosso nome? -, anonimamente, um rosto apenas, um rosto virado para o futuro, sem rastro, sem marca, sem voz? Um rosto sem passado, sem carne. Como se todo o tempo da duração fosse aquele, como se todo o tempo da vida fosse, apenas, à peine, aquele. Não será esta a triste ironia deste rosto? Um rosto que vingou durante quase cinco séculos, altivo, majestoso na sua juventude desafiante, orgulhoso na sua solidão de menino, mas um rosto sem nome, e dupla ironia, um rosto pintado por um artista anónimo, desconhecido. Sem assinatura, pois, um e outro sem assinatura.

É por isso que, desde aquele dia, sentado naquele magnífico jardim sobre o Tejo, com o cheiro da canela e do cravinho-da-índia ainda entranhado na brisa, este rosto não mais me saiu do pensamento. Não mais o abandonei. Sinto-o como uma missão. Sou um amigo distante que o não esquece, um combatente da sua solidão, da sua irremediável e triste solidão. Mesmo sem-nome, mesmo que totalmente anónimo, há alguém que o não esquece, que se lembra dele, do seu retrato, do seu rosto, daquele perdido por entre os outros rostos nas paredes impessoais de um museu. Aquele que um dia, um dia talvez até sentado neste mesmo lugar, ele quis que perdurasse como memória dele e daquele sol que banhava o Tejo, enquanto as velas das naus traziam entranhado o cheiro da canela e do cravinho-da-índia, e as gaivotas grasnavam a anunciar os combates nas areias distantes de além-mar.


É talvez, e também, ou sobretudo, uma luta contra a minha própria mortalidade. O desejo de que um dia, cinco séculos à frente, talvez olhando o Tejo num belo dia de sol, alguém possa lembrar-se de mim, e - espero-o do alto da minha soberba - saiba pronunciar o meu nome. Se eu perdurar, também ele terá perdurado. Tudo estará cumprido!