sábado, 7 de fevereiro de 2009

O rapto de Europa

Esta última semana é pródiga em notícias incríveis. E por incríveis falo de coisas que me põem os cabelos em pé, que me entristecem, que me fazem lamentar o estado do mundo, e até (nas horas de maior estupefacção), achar que não sou, definitivamente, deste mundo! (e como diria uma velha Mestra, "o segredo é o "deste")

Vamos lá então, sem ordem cronológica, pegar os toiros pelos cornos.

Aborto e UE

Farto até à medula deste tema (desde o último referendo, em que discuti o tema diariamente, durante cerca de 3 meses, até ao puro vómito), volto a ele hoje por duas notícias recentemente saídas na imprensa:

[Apenas um aviso prévio para os que não me conhecem bem, para os que ainda não me conheciam à data, para os que só agora aqui caíram, envolvi-me na campanha do último referendo ao aborto (ou como o politicamente correcto alter-inter-nacional gosta de dizer, a "interrupção voluntária da gravidez") pelo lado do Não. Sem mais demoras, filosófica e politicamente era, sou, e serei partidário do equilíbrio presente na anterior lei, que protegendo os direitos de ambas as partes presentes na equação (criança e pais) – o primeiro dos quais é o direito à vida – contemplava também as excepções comummente admitidas como aceitáveis (do mesmo modo que a Lei admite a auto-defesa como legitimadora de violências extremas, não admitidas em condições normais). Considero a actual lei um erro que nem crasso será, por ser mais grave, por implicar um sério retrocesso civilizacional (com uma capa aparentemente moderna e progressista), por implicar uma concepção de desresponsabilização do homem (sobretudo) e da mulher (a quem agora cabe todo o ónus), por implicar uma queda dos princípios humanistas que defendo e partilho, por significar o afastamento da sociedade liberal onde gostaria de viver.]

Ora bem, esta semana soubemos que o Estado Português foi condenado ao pagamento de uma multa às associações que organizaram a tentativa de atracagem do famoso "barco do aborto", pertencente ao "grupo activista" (seja isso o que for) graciosamente denominado Women on Waves. Ao que parece, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considera que a decisão do Governo Português significou um limite à "liberdade de expressão". Como não me recordo de ter havido ninguém silenciado (muito pelo contrário!), nenhuma cela do Aljube ou de Caxias foi reaberta para acolher os presos políticos, ninguém foi impedido de exercer livre e tontamente a sua liberdade de expressão (inclusive com os "clássicos" "a barriga é minha" e outros dislates que tais!). Aliás de limites à liberdade de expressão é coisa que as associações de defesa do Sim não se podem queixar, dado o vasto coro de apoio que tiveram na imprensa (dita) de referência. Estranho mundo este em que um Estado (ainda) soberano é condenado internacionalmente por fazer cumprir a legislação nacional! Este caso é tão disparatado e, abrindo um precedente perigoso, mostra tão bem o disparate em que andam as organizações da (dita) "governança mundial" (e que impedirá, a médio e longo prazo, essas mesmas organizações de exercerem o desígnio para que foram criadas, com Justiça, Equilíbrio e Serenidade), que é por demais evidente! Agora, um qualquer movimento que defenda uma qualquer prática punida na legislação de um dado estado europeu, pode queixar-se de falta de liberdade de expressão por não o deixarem realizar as ditas práticas nos termos que bem lhe apeteçam! É verdadeiramente incrível, lá está! E por este caminho (e pelos outros que temos visto com o processo de aprovação do Tratado de Lisboa) muito longe estará esta Europa de ser qualquer coisa senão uma cópia infeliz e disparatada do federalismo americano (para pior, porque lá, cada Estado tem legislação diferente do vizinho e não consta que isso seja um impedimento ao funcionamento do todo, muito pelo contrário: é uma das suas riquezas!)

Também esta semana (ou pelo menos no fim da semana passada) soubemos que, apesar das mentiras do Sim na campanha, o óbvio aconteceu: uma clínica ilegal de abortos foi desmantelada pela polícia, e azar dos azares, até tinha uma mulher a praticar um aborto (e que, num dos artigos que li, apesar da imensa campanha realizada nos últimos meses, apesar de já ter ultrapassado o limite máximo legal para a realização de um aborto, apesar de ter feito um aborto há quatro meses, estava, obviamente, claro está, "pouco informada sobre a nova lei"… Nada que espante no jornalismo que temos, basta lembrar que até casos da década de 60 foram usados há um ano para atacar a lei então vigente. Enfim…). Ora bem, o que acontecerá agora? Será que é um dos "julgamentos da vergonha" que tão abjectos eram? Será que é "uma devassa inqualificável da vida privada" como antes acontecia? (sim, porque qualquer caso de justiça penal não é uma "devassa" da vida privada de alguém…) Será que até haverá condenados? Será que esta enfermeira ainda é uma corajosa e intrépida defensora dos "direitos" das mulheres? Ou não? Fico à espera. Mas o reduzido alarido do caso já me diz alguma coisa… Nem me espantarei se, um dia destes, o processo não for "arquivado por falta de provas" e tudo acabar em águas de bacalhau. Afinal, quando as máscaras caem aos farsantes o que se vê nunca é bonito…

Eutanásia ou Da Civilização que temos

Correndo o risco de parecer alinhar na agenda do Bloco e outros alter-democratas que tais, de Itália chega-nos um caso complicadíssimo, tristíssimo e exemplar de como o político anda pelas ruas da amargura. O Caso Eluana Englaro. Independentemente da convicção que se tenha a respeito do caso (eu admito, não tenho nenhuma resposta definitiva para o caso, já que me parecem estimáveis os argumentos de ambas as partes) tão tocante é a imagem de um pai que quer deixar a sua filha morrer, como o é a defesa do princípio da vida como algo inalienável ao humano. E não tragamos para aqui os argumentos religiosos (apesar de crente, julgo que, ao nível médio do debate, o argumento religioso não ajuda, como pelo contrário, só atrapalha; o que não quer dizer que a Igreja não possa e deva pronunciar-se; quer sim dizer que já que eu não sou clero, é bom que fale por mim, não me limitando à mera comunicação ventríloqua). Está aqui presente (de resto como também na questão do aborto, apesar dela ser reduzida aos argumentos feministo-rançosos da geração beauvoiriana de 68) uma questão civilizacional. Aliás, de maneira enviesada, os defensores da eutanásia recordam-no sempre que colocam os seus adversários no campo da Igreja Católica. Todo o humanismo é fiel devedor do semitismo, do judaico-cristianismo, tanto, ou mais, do que é devedor do ramo helénico (que, é bom lembrar, também comporta Esparta, tão distante dos princípios humanistas como o diabo da Cruz). Ora, a civilização europeia, ocidental, proclamadora dos valores da liberdade (de propriedade, individual, de consciência, de expressão) é devedora do humanismo, logo, de Atenas e Jerusalém (e Roma, e Esparta, e Bizâncio, e Alexandria). São inúmeros os filósofos que o sublinham, como é o caso de Derrida e Lévinas (só para falar dos contemporâneos que me tocam o coração). Ora, a defesa do "direito a morrer" é uma clara violação desses princípios, curiosamente em nome dos quais é reivindicado. Aliás é triste (e mais uma vez incrível) que o seu contrário (o "direito a nascer") não seja uma reivindicação do mundo contemporâneo. Quer-se a morte, mas não a vida. E se isto, para um crente, apesar dos apesares, até acabe, por fim, por não fazer muita impressão, para os ateus e agnósticos é quase inacreditável que o desejem. Porque isso, para eles, é o niilismo total e absoluto. Ora, assim sendo, de onde resulta a defesa deste "direito" (e o "direito" de algo que não está nem nunca esteve no arbítrio da nossa vontade - do mesmo modo que ninguém nasce porque quer, o contrário deve também ser verdadeiro - é obra!)? O que os leva a defender algo que vai contra a matriz dos princípios que (dizem) partilhar? Eu julgo que a única explicação está num certo jacobinismo do pensamento moderno que vê, na Igreja Católica e em tudo o que ela defender, um alvo a abater. De tanto atacarem o Vaticano esqueceram-se que partilhavam com ele, nada mais, nada menos do que a civilização! E isto apesar de estarem sempre prontos para o apedrejar por causa dos erros do passado (Inquisições, intolerância religiosa, anti-judaísmo, etc.), mas nunca se fazerem ouvir para condenar os fanatismos não católicos (e eles são mais que muitos, não só entre as outras religiões como entre as não-religiões como o ateísmo), à excepção de Israel, sempre vilipendiado por tudo quanto faça ou deixe de fazer! Incrível! Mas sobre o caso que apaixona a Itália, pouco tenho a dizer. A decisão sobre o caso nunca é fácil, nunca é clara e distinta. Seria bom que o debate pudesse ter decorrido sem o frenesim e o puro espectáculo novelesco dos nossos tempos. Seria bom que o Governo não decidisse fazer uma lei apenas para impedir a morte de uma jovem ligada às máquinas há anos e anos, assim como seria bom que o caso dessa mesma rapariga não fizesse jurisprudência (e se deixarmos ouvir a palavra, ela diz tudo, juris_prudência) para outros casos que nunca serão semelhantes. Embora o velho provérbio judaico "quem salva uma vida salva o mundo inteiro!" seja admirável e deva ser um lema a seguir por qualquer civilização humanista, a questão será sempre o como se salva e o que vida, que tipo de vida, se salva. Eu por mim, continuo a preferir que neste tema (como sempre o defendi para o aborto) seja a Justiça a pesar, a contrapesar e a decidir. Mas uma Justiça que olhe para o caso por isso mesmo: um caso. E o julgue. Individualmente.

Os herdeiros de Kafka

Leio no Sol que um projecto de solidariedade acabou com uma multa do Ministério do Ambiente. Ao que parece trata-se do projecto que visa a troca de cápsulas e tampas (de garrafas, garrafões, etc.) que depois de entregues a uma empresa de reciclagem, rendiam cadeiras de rodas e material ortopédico a quem deles necessitasse na região de Santarém. Os responsáveis pela recolha, seguindo outros exemplos nacionais, conseguiram recolher cerca de 15 toneladas de material, o qual, por evidente dificuldade de armazenamento, acabaram por armazenar num terreno de uma amiga. Ora os nossos diligentes e competentíssimos serviços do Ministério do Ambiente, aplicaram intransigentemente a lei e aplicaram uma coima à proprietária por falta de uma licença para aqueles resíduos no solo. Se isto não viesse daquele Ministério que é incapaz de impedir/punir as descargas criminosas das suiniculturas no rio Lis e seus afluentes (bem como, também, na ribeira que aqui me atravessa a quinta), ou as inúmeras sucatas e lixeiras ilegais que por aí vão subsistindo, até se compreenderia. Agora, sendo deste ministério, e sendo os resíduos destinados à caridade (gosto mais desta palavra do que a tão proclamada e muito impossível solidariedade), é, lá está, mais uma vez, inacreditável! Resta-nos o consolo dos Evangelhos que dizem a estes pobres "infractores" que deles será o Reino dos Céus (ou, no mínimo, terão a eterna solidariedade de Kafka…)!

Os herdeiros de Robespierre

Gerou-se ultimamente um sururu medonho à volta do recente (re)acolhimento dos membros da Fraternidade São Pio X (o movimento fundado pelo Monsenhor Lefévre) no seio da Santa Madre Igreja. Ora, se isto viesse de católicos seria compreensível até certo ponto (embora contraditório com os princípios defendidos pela mesma Igreja), agora vindo dos sectores não católicos é de bradar aos céus! Se mal pergunte, o que é que o mundo em geral, o mundo lá fora, fora da Igreja, têm a ver com os assuntos internos da mesma Igreja? Ora, grande parte do sururu, deve-se às declarações tontas de um Bispo ligado à dita fraternidade acerca do Holocausto da 2ª Guerra Mundial (houve outros). Diz o Sr. que não tem a certeza de que o Holocausto tenha existido, que só sabe que as câmaras de gás eram usadas para banhos, etc., etc. Ou seja, o Sr. partilha da opinião do Presidente do Irão e da esmagadora maioria dos povos árabes e muçulmanos (também não são coincidentes como se pensa). Ora, que se saiba, nunca o Presidente Iraniano e outros que tais foram impedidos de permanecer nas Nações Unidas (que essas sim dizem respeito a todo o mundo), muito pelo contrário: podem até discursar livremente na Assembleia Geral da dita organização, emitir todo o tipo de disparates sobre Israel e os EUA e o grande Satã do Ocidente, sem que qualquer consequência daí advenha. E bem! A liberdade de expressão também passa por aí. Por todos os tontos e malucos e outros e afins poderem exprimir-se sem que daí advenham consequências para a sua vida. Porque raio dentro da Igreja Católica há-de ser diferente? Por ser Bispo? Então os outros são Presidentes de países, o que, politicamente, parece muito mais grave, não?

Depois deram a entender que anterior excomunhão proclamada pelo Papa João Paulo II (de resto uma excomunhão é, por princípio e por definição, alheia ao mundo laico e secularizado) seria motivada pelas suas posições anti-semitas (ou pelo menos, anti-holocausto, o que não é exactamente a mesma coisa). Nada mais falso! A sua excomunhão deveu-se à contestação feita pelo movimento às teses e resultados do Concílio do Vaticano II, rebelando-se contra as alterações que o mesmo produziu no seio da Igreja. Ou seja, deveu-se a questões internas da Igreja Católica (que, se bem me lembro, também foi atacada pela excomunhão do movimento, acusando o papado de intolerância e não aceitação da diferença de opinião). Trata-se pois do típico "morto por ter cão e morto por não ter". Porque Bento XVI enquanto Prefeito da Congregatio pro Doctrina Fidei era um perigoso fanático por aconselhar a excomunhão do movimento rebelde, agora que o acolhe de novo, não só dentro do espírito de perdão cristão, mas também no espírito de abertura às diferenças no seio da Igreja (com um piscar de olhos ao ecumenismo, claro está), é novamente um perigoso fanático se não (re)excomunhar o dito Bispo. Isto não faz qualquer sentido, até porque a excomunhão ou não de alguém no seio da Igreja parece-me assunto pouco ou nada interessante numa sociedade que se diz laica, ateia e separada (logo, etimologicamente, santa!).

Que uma das vozes que se fizeram ouvir nos gritos histéricos seja a da Chanceler Alemã, mais grave é, quando ela é líder de uma formação política que tem por base a doutrina social da Igreja, logo, com obrigação de conhecer melhor estes assuntos e não alinhar na histeria jacobina. Mais interessante é verificar que esta não é extensível aos inúmeros que negam a existência de holocausto na Rússia comunista e nos seus satélites, bem como na Palestina do Protectorado Britânico, e, de um modo geral, às perseguições mortais feitas na esmagadora maioria do mundo islâmico, onde ser judeu, cristão, ateu, agnóstico, laico, budista, hindu ou afim é meio caminho andado para a apostasia que condena à morte.

O Grande Satã

Que a dita opinião pública ocidental é tonta já se sabia. Que é esquerdalha está de ver. Que é marxisto-dependente é óbvio. Que é incoerente, é um pleonasmo com o ponto anterior. Que se tem tornado anti-americana e anti-israelita, é outra triste evidência. Que age e pensa na espuma das coisas é uma literalidade de ser "opinião pública". Que é controlada a partir de certos interesses políticos é que poderá não ser tão óbvio...

Todos nós fomos brindados com a histeria "Acabe-se com Guantánamo". Durante anos ouvimos as mesmas coisas, fomos brindados com a histérica Deputada Europeia Ana Gomes a gritar contra os pseudo-voos que pseudo-transportaram prisioneiros sem o pseudo-conhecimento dos governos europeus para a Base Militar Americana de Guantánamo em Cuba. A mesma foi-nos descrita como a pior de todas as prisões possíveis e imaginárias, um ultraje à dignidade do humano, com evidentes e claras imagens e vídeos a testemunhá-lo. A histeria subiu de tom auto-congratulatório quando o novo Presidente Americano anunciou o fecho, a prazo, desse "campo de concentração dos tempos contemporâneos" como também ouvi caracterizar o local (isto apesar de ser publicozinho que a maioria dos presos está a ser transferida para outros centros de detenção fora dos EUA e em sítios muito mais anónimos do que Cuba). Muito bem. Dando de barato tudo isto acriticamente, a Sábado publicada na última 5ª feira trás um artigo sobre outras 10 ("mais infames") cadeias e campos de trabalho pelo mundo fora. Turquia, Irão, Venezuela, Síria, Rússia, Israel, Tailândia, Coreia do Norte, Malawi, China são os contemplados, o que quer dizer que haverá outros "menos infames" que não estão ali referenciados. Ora, de todas, e em comparação, fica-se com a impressão de que Guantánamo é um campo de férias! Desde a La Sabaneta na Venezuela em que 25 000 almas se acumulam numa cadeia corrupta ao pior estilo Prision Break, até à da Síria descrita por um prisioneiro como "reino da morte e da loucura", há de tudo um pouco, nem faltando os típicos campos de concentração. Sendo assim, porque é que nunca ouvimos falar destes locais? Simples: nenhum deles é administrado pelos EUA. Pior: à excepção do campo de Israel (tão nebuloso que nem ninguém sabe se existe mesmo, parecendo lembrar mais um mito urbano do que outra coisa – até porque a existir exactamente assim já lá tinha o Deputado da Nação Miguel Portas a "solidarizar-se com mais umas vítimas da barbárie israelita", ou outro congénere mundial, que infelizmente há muitos) todas as outras são ou em países exóticos ao "alter-mundialismo" ou (a esmagadora maioria) em países amigos, e amigos porque anti-americanos (ou, como é o caso da Turquia, com uma opinião pública tendencialmente anti-americana, apesar das elites). Tão simples e claro como isto. Tão hipócrita e incongruente como isto. Em resumo: tão falso como isto! Os manifestantes contra Guantánamo fazem lembrar aquelas senhoras de grandes virtudes que vão à Missa todos os dias, que se confessam a toda a hora, para logo a seguir ir pecar na primeira esquina. Tal como a elas é difícil levar a sério esta gente!

Jurisprudência

Já hoje aqui escrevi sobre o cuidado que deveríamos ter ao escutar esta palavra. Infelizmente não pareço ter amigos na Justiça em Portugal, e poucos na (lá vem ela!) opinião pública. Se há coisa que os nossos agentes judiciais pouco conhecem é a prudência, esperando-se que a respeito do juris o mesmo não seja verdadeiro. Esperando-se, sublinho. Não, não vou dissertar sobre o caso Freeport, até porque pouco acredito que alguma migalha da verdade se venha a apurar. Espanta-me apenas a concepção, ao que parece vigente, de que um titular de alto cargo público da nação seja, por definição, mesmo quando as suspeitas sobre ele caem, sempre inocente. Já o ouvi em várias ocasiões, e agora novamente acerca do Primeiro-ministro. Mal alguma suspeita (verdadeira ou falsa não se sabe, aliás a questão passará exactamente por aí) surge, oiço logo dizer que não passa pela cabeça de ninguém que Fulano ou Beltrano seja culpado. Ao que parece, alicerçam este estranho procedimento em democracia (e se calhar estamos mais longe disso do que julgamos) na "presunção de inocência". Ora esta, o que garante é que alguém que é suspeito de uma ilegalidade não seja considerado culpado até trânsito em julgado de uma sentença condenatória. Não presume inocência tout cour a ninguém. Muito menos se esse alguém exerce cargo público de relevo (onde, inclusivamente, a exposição pública e a necessidade de dar o exemplo, o que poderão potenciar, é um escrutínio acima da média - não nos esqueçamos que à mulher de César, não basta sê-lo, é preciso parecê-lo!). Em Portugal, na democracia à portuguesa (que já nem me parece ser a vir, como no filosofema derridiano) oiço dizer que é impensável que (por ex.) o Presidente da República tenha cometido ou cometa um crime! Mais incrível é, quando nem na doutrina do absolutismo régio à francesa, isto acontecia!

Também o "ilustre" constitucionalista e pai da dita portuguesa (o que explica tanta coisa, tanta, tanta!), Vital Moreira, deveria usar e gozar de alguma juris_prudência quando produz disparates como este. É que eu até gosto de jurisprudência, mas nem tanto ao mar nem tanto à terra! Achar que as simples declarações de suspeitos de ilegalidades desmentem a existência das mesmas, é para além de uma aborto filosófico, um aborto jurídico (ou obedecendo à doutrina politicamente correcta, "uma interrupção voluntária do filosófico" e uma "interrupção voluntária do jurídico", respectivamente), ou pelo menos tentativa de desonestidade intelectual (porque nem chega a sê-lo, não consegue sê-lo).



P.S. Pois que hoje, Domingo, Alberto Gonçalves nos seus Dias Contados comenta tão exemplarmente estas mentes brilhantes!

Sem comentários: