sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sopro

© Coucelo

Vejo-te chegar como a gazela vê chegar o incêndio.
Tua língua rasga o torpor das savanas austrais,
é raio rasgando-me a pele e a sede.
Cuidadosa e lentamente, aqui e acolá,
sopras pequenos fogachos, delícias de pirómano
que ardem devagar devagarinho na carne toda
em sulcos, lentamente, por baixo e por dentro.


Vens, como uma trovoada de chamas
inundar-me de ti, afogar-me na tua boca,
e divertes-te a saltar de charco em charco
semeando pequenos peixes verdes e azuis
como berlindes jogados e esquecidos,
à medida que o fogo se vai consumindo
e a cinza é toda de lava fumegante.


Do teu orvalho despontam verdes raízes,
todos os meus músculos de relva fresca,
um tapete de flores semeado a olho
mil cores de mil feitios e mil cheiros…

Um milagre recebido de joelhos e olhos rasos,
a explosão primordial toda fechada num casulo!


E depois, deitas-te a meu lado,
minhas mãos exaustas, suadas,
nas tuas mãos exaustas, suadas,
a pele toda ocre, o cheiro a terra mexida.
Nos teus olhos de amêndoas da lua
me perco, me banho, me purifico.
Como o dente-de-leão despedaço-me ao vento.

1 comentário:

No Limite do Oceano disse...

O desejo que arde, que se sente e nos dá motivos para deixa-lo a arder poderia dizer tudo, mas este teu texto, do principio ao fim, é um punhado de letras, que juntas não deveriam ser levadas pelo vento só com um só sopro.

Muito bom! Intenso :- )

*Hugs n' smiles*
Carlos