Um amigo meu, homem superior, considera que a eternidade é uma manhã e dez mil anos um simples abrir e fechar de olhos. O sol e a chuva são as janelas da sua casa. Os oito pontos cardeais as suas avenidas. Caminha sem destino. Inútil se torna procurar as suas pegadas. A sua casa tem o céu por tecto e a terra por leito. O seu único pensamento é o vinho. Nada mais, aquém ou além, o preocupa.O seu modo de viver chegou aos ouvidos de dois respeitáveis filantropos: o primeiro, um jovem nobre; o outro, um famoso letrado. Foram visitá-lo e com olhos furiosos e ranger de dentes, agitando as mangas as mangas das suas vestes reprovaram vivamente a sua conduta. Falaram-lhe dos ritos e das leis, do método e do equilíbrio. E as suas palavras zumbiam como um exército de abelhas. Entretanto o seu interlocutor encheu um copo e bebeu-o de um trago. Depois sentou-se no solo com as pernas cruzadas, encheu de novo o copo, afastou a barba e recomeçou a beber até que, a cabeça inclinada sobre o peito, caiu num estado de inditosa inconsciência, apenas interrompido por relâmpagos de semilucidez. Os seus ouvidos não teriam escutado a voz do trovão, os seus olhos não teriam reparado numa montanha. Cessaram frio e calor, alegria e tristeza. Abandonou os seus pensamentos. Inclinado sobre o mundo contemplava o tumulto dos seres e da natureza, como algas flutuando sobre um rio...
Lieu Ling
(Tradução de Jorge Sousa Braga)
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