sábado, 28 de fevereiro de 2009

Festival

Sou tradicionalista. E por isso, apesar de reconhecer a sua actual irrelevância e desprestígio, não resisto a botar o olho no Festival RTP da Canção (bem, e no da Eurovisão, como é óbvio, porque é um grande espectáculo europeu, se não de música, pelo menos de humor com as aves raras que os vários países lá vão enviando…). Eu sei, eu sei, isto é coisa para tratar com o psicanalista e para ficar no segredo da confidencialidade terapeuta-paciente, mas não resisto a contar! Isto porque o Festival é um sintoma, é um sinal do país que somos, e do que os outros são. E no nosso caso, a pobreza musical verificada no festival que hoje se realizou, é um sintoma de como por se faz música, se aprende música, se aprende a cantar. E o diagnóstico não é bonito: de concorrentes que não sabem cantar, a músicas (?) cuja linha melódica (?) eu seria capaz de realizar num órgão caseiro, a música ligeira portuguesa anda pelas ruas da amargura. E não nos esqueçamos que houve um tempo em que, para além de ser um acontecimento que parava o país (e eu ainda me lembro bem disso!), o Festival RTP da Canção foi responsável por inúmeros temas que fazem parte da memória e do património musical português dos últimos 45 anos. De Simone de Oliveira a Madalena Iglésias, de Ary dos Santos ao Maestro José Calvário, de Carlos do Carmo a Carlos Paião, o Festival foi responsável por grandes e inesquecíveis criações da música portuguesa. Foi. E esse é o problema. Aliás, basta sintonizar uma qualquer estação de rádio para perceber que o aumento de criadores e intérpretes no mundo da música nacional não trouxe nenhuma benesse (muito pelo contrário!) à mesma! E isto apesar das inenarráveis cotas para obrigar à audição de música nacional…

Ora o que se viu neste Festival foi o arrastar de um espectáculo quarentão que insiste em respirar apesar da (evidente) estafa. Viu-se também o erro crasso que a RTP tem vindo a cometer em todos estes anos em que aboliu a tradicional votação distrital: se o sistema não tivesse reincorporado (agora em parceria com o irritante "voto interactivo" do público) o sistema tradicional de votação, teríamos assistido à eleição da Floribela Luciana Abreu, vestida de Fadinha Nazarena, gritando o slogan de Obama, como representante portuguesa no maior festival de música europeu, visionado do Atlântico às estepes asiáticas por à volta de cem milhões de espectadores! Graças à mudança do sistema de votação, a representação portuguesa estará a cargo dos Flor-de-Lis, com Em todas as esquinas do amor, um tema onde o rastro da música tradicional portuguesa é evidente, e bem conseguido. Aliás, face ao panorama esta pareceu-me a única opção viável, não só entre as doze finalistas, como entre as 24 semi-finalistas (sim que eu também votei na pré-selecção, e sim, o Doutor Freud explicá-lo-ia!) como podeis comprovar neste vídeo:



A questão de base disto prende-se com uma certa corrente revolucionária e moderna que defende que o estudo dos clássicos, do cânone, da norma, é perfeitamente dispensável. Lá está, não é! O estudo do cânone, o estudo do clássico prepara para todos os outros tipos de arte hodiernos – seja na música, na dança, no teatro, na pintura, na literatura, etc – cuja definição é muitas vezes feita (lá está) contra o cânone, invertendo-o, rasgando-o, recusando-o. Mas conhecendo-o. O clássico é sempre a base de qualquer arte, e não vale a pena iludi-lo. E isso no caso português é tão mais grave quanto já se sabe que, infelizmente por cá, as coisas se fazem sem rigor, desenrascando, empurrando com a barriga. Ora o resultado está à vista! Com a honrosa excepção do último ano (e deste, sublinhe-se) o panorama musical do Festival tem sido deprimente e não deixou uma só música para o futuro. Não deixou memória, pois!

Outra questão é o sistema de voto. De há uns anos para cá instituiu-se nas nossas ditaduras mediáticas o sistema de voto interactivo do espectador como sendo algo democrático. Ora, se eu percebo o negócio que está por detrás disto, tenho de recusar absolutamente a suposta democraticidade da coisa. E a sua suposta legitimidade. O voto do espectador enviesa sempre a apreciação do valor da obra/pessoa/etc para a simples fórmula "com quem tenho mais afinidades". E isso, como o Festival da Eurovisão claramente demonstra nos últimos anos com a adopção da ditadura do televoto, dá mau resultado e distorce os resultados. Aliás, pergunto-me hoje, se a votação fosse mais equilibrada há 3 anos, se Portugal não teria sido representado (e que bem!) pela sua matriz musical transmontana. E isto porque considero que num festival como o é o da Eurovisão, num tempo de globalização e de crescente integração transnacional (sob a tutela e a hegemonia anglo-saxónica), um país como o nosso deve reforçar e apostar naquilo que lhe é tradicional, naquilo que sempre fez bem, naquilo que o une, que o singulariza, que o identifica. Renovando (claro está) a tradição, mas rebuscando-a, bebendo n seu curso inesgotável e caudaloso. Nela se fundando como quem enterra os dedos na terra e lhe sente o cheiro. Porque a diversidade está lá toda (não fossemos herdeiros de Lusitanos, de Celtas, Gregos, de Romanos, de Judeus, de Suevos, de Visigodos, de Árabes, de Africanos, etc, etc, etc). Sempre esteve! Ora diga-se lá se a Europa não merecia ser brindada com um espectáculo destes:


4 comentários:

Daniel C.da Silva disse...

Vi só uma parte mas se as votaçoes finais nao fossem de um júri mas sim do público, teria ganho a Luciana Abreu. Ainda bem que há um júri...

abraço

No Limite do Oceano disse...

Eu tenho o hábito de todos os anos não perder o Festival da Canção e o da Eurovisão.

Estava com receio que a Ms. Luciana fosse para ganhar, ela foi, mas felizmente nem sempre ganha-se todos os desafios e foi o caso.

Quanto à canção vencedora, eu logo que ouvi, disse para mim mesmo "esta seria a melhor aposta mas não irá ganhar" e fiquei surpreso pelo resultado final. É claro que não foi de admirar que a Ms. Luciana tivesse os 12 pontos das chamadas telefónicas. Gosto da canção vencedora...do som, da letra, é um mimo de música e já nem penso se é a música adequada para ir ao Eurofestival.

*Hugs n' smiles*
Carlos

Hydrargirum disse...

Eu ja nao vejo um festival da cancao...desde...ja nem sei...estava aqui a fazer contas de cabeca...mas creio que desde a altura da Anabela...a partir dai...tornou se anedotico...!

E como uma vez eu disse...com tudo isto que tem ganho ano apos ano...nos perdoamos tudo a Rosa Lobato DE Faria, certo?:)))

Abraco:)

Adão disse...

Apesar de gostar da música que ganhou este ano... confesso que não é a melhor candidata à Eurovisão... mas a "Lucy" também não era... Mas mesmo assim a minha favorita foi a canção n.º 3! :P