quinta-feira, 7 de maio de 2009

Lições de Pavlov

A Igreja Católica Romana tem um novo Santo: São Nuno de Santa Maria (Nuno Álvares Pereira, o Condestável, de sua graça civil).


A anterior premissa não me parece levantar grandes questões. Numa sociedade onde vigore a liberdade religiosa ela é o que é: um fenómeno interior a uma confissão religiosa. É dentro dela que terá de ser analisado e debatido (se for), segundo as regras e as premissas vigentes nesse determinado culto (se as houver). Mas ao que parece não é assim: na (dita) sociedade livre em que vivemos a Canonização de um Santo da Igreja Católica Romana é um acto político – e político porque debatido, comentado, analisado, escalpelizado, autopsiado na praça pública. É algo singular que só vejo acontecer no que à Igreja Católica Romana diz respeito. Não acontece em relação a nenhuma das outras confissões, cristãs ou não cristãs.


E há um grupo social particularmente activo na discussão dos assuntos internos do catolicismo: respondem pelo nome de Associação Ateísta Portuguesa e, a esses senhores, chegou a minha hora de dizer:


- Basta!


Estou farto e cansado de totalitarismo, de pensamento único, de limitação à liberdade (e quando se trata da minha liberdade sou sempre muito cioso dela!). Não usarei o epíteto "fascistas" porque acho uma tonteira o uso comum que em Portugal se dá a um fenómeno político do socialismo italiano – mas dá vontade de usar, pelo menos naquela asserção "leve" em que ele é usado para designar toda e qualquer forma de pensamento único totalitário, desde que não seja marxista (porque para esse parece só ser possível usar epítetos "doces, sensíveis e messiânicos"). Do mesmo modo como eu acho idiota a simples existência de uma associação ateísta (porque é a constituição de um organismo que visa uma não definição, a definição de uma ausência absoluta, da mais absoluta das ausências, semelhante a uma associação que vise a promoção do Nada enquanto Nada), têm esses senhores todo o direito de pensarem o mesmo da minha religião (a Católica Romana) e de todas as religiões, seitas e filosofias de vida do mundo (do Judaísmo ao Budismo, do Taoísmo à Igreja Bola de Neve). Até têm todo e qualquer direito a acreditarem ou não no que bem lhes aprouver! É essa uma das definições práticas da democracia e da liberdade de pensamento.


Agora, o que não acho normal (nem aceitável porque é uma concepção totalitária, logo, anti-democrática) é que, por ocasião da canonização de um Santo católico, esses senhores se manifestem. A mim, pouco me importa se esses senhores se reúnem, se não, se comem carne ou peixe, se acreditam em Deus ou não. Agora o meu direito a acreditar em Deus, a acreditar em Santos, a acreditar no Pai Natal ou nas virtudes curativas da lua só a mim me dizem respeito. E esses senhores dessa associação nada têm a ver com isso! Acham ridículo o milagre que levou à beatificação de São Nuno? Muito bem, têm todo o direito. Mau era que assim não fosse! Acham os crentes tontos e palermas e atrasados mentais? Muito bem: eu penso exactamente o mesmo em relação à dita associação e daí não vem mal ao mundo! Não compreendam como se pode acreditar em Deus? Óptimo, eu também não compreendo o contrário! O problema eu identifico-o: esses senhores são tão ateístas quanto os elefantes voam! Sendo a definição ateísta uma definição negativa (é-se a_teu – "sem, fora de Deus" – por oposição a quem é "teófilo") a questão da Fé devia ser algo totalmente ausente das suas vidas. Aliás o próprio catolicismo tão odiado o diz: a Fé é um Dom que uns têm, outros não. É simples! É assim com muitos ateus que conheço. Nem sequer pensam em santos ou em religiões ou em qualquer desses "esoterismos". Estão pouco se lixando se existem missas, procissões, canonizações ou crucifixos (bem há alguns que conheço que, não acreditando, adoram arte sacra). O que não se compreende é a obsessão que qualquer acto religioso (mas os actos católicos parecem fazer salivar mais esses entes pavlovianos) lhes suscita. Eu permito-me propor-lhes uma ligeira correcção do nome: devem esses senhores organizar-se como associação anti-religiosa (ou anti-católica se preferirem) portuguesa, e aí sim, poderão e deverão insurgir-se contra tudo o que mexa religiosamente, queimar igrejas, matar frades e todas e quaisquer outras manifestações a que achem por bem dedicar-se. Agora, por amor de Deus, não conspurquem o ateísmo com as posições totalitárias que têm. Porque nunca o ateísmo passou por aí (eu até diria que foi sempre o contrário, mas isso sou eu que sou crente!).




P.S. Só mais uma chega a um "cavalo de batalha" desses senhores. Dizem eles que o "voto de congratulação" aprovado pela Assembleia da República pela canonização de D. Nuno Álvares Pereira é uma intromissão da religião na esfera do Estado. Nada mais falso. Estou certo que o mesmo voto existiria caso se tratasse de qualquer outra religião, ou condecoração entregue por qualquer Estado ou associação com relevo mundial. Porque, no limite do ateísmo, a Igreja Católica Romana é apenas e só um Estado estrangeiro (ou, para os mais incultos, uma associação com delegações pelo mundo). E assim sendo cabe aos representantes políticos portugueses rejubilarem quando as capacidades, as habilidades, o trabalho de um português são premiados. Foi-o para Egas Moniz, Saramago, D. Ximenes Belo e Ramos Horta, foi-o para todos os atletas premiados pelas várias modalidades desportivas mundiais, foi-o para Aristides Sousa Mendes reconhecido como "um justo" pelo Estado Israelita. Do ponto de vista ateu não devia haver diferença entre uma coisa e a outra. Haver é que faz diferença e mostra ao que vêm!...


P.S.2. Sendo a democracia o governo pela maioria; sendo inaceitável a repressão da maioria por uma minoria, conviria lembrar a fria e dura realidade dos números a esses senhores, cuja opinião válida, vale – em democracia – o que vale! Do mesmo modo como o partido mais votado executa a política que propôs aos eleitores, convém relembrar à AAP a sua quase infinita insignificância em relação à comunidade de crentes (de todas as religiões) presente em Portugal. Do mesmo modo que um católico no Irão vale o que vale (e mesmo assim há mais católicos, até no Irão, do que membros da dita associação, o que, diga-se, é notável!), esses senhores valem o que valem. A democracia tem destas coisas engraçadas, não tem?







© Imagem aqui.

2 comentários:

Kapitão Kaus disse...

Apoiado!

Sabes, eu acho que eles são é mas é uns verdadeiros jacobinos, com um ódio desmedido à religião católica. Devem-se julgar herdeiros do espírito jacobino da revolução francesa que, em nome da Razão, decapitou centenas e centenas....

Abraço:)

Luís P. disse...

Kapitão: não podia estar mais de acordo! É que não é normal que os "ditos" ateus sigam mais atentamente a agenda da Igreja Católica do que os próprios católicos!!! Aquilo só pode ser uma perturbação psicanalítica! E sim, eles tendem a confundir "jacobinismo" com "ateísmo", coitados. Não percebem que um, nada tem a ver com o outro!

Abraço