sexta-feira, 1 de maio de 2009

Kafka de comboio


Depois de um passeio pelo coração lisboeta, dirigi-me calmamente à Estação do Oriente (se há coisa que me dá cabo do senso é a mania do galicismo "Gare") a fim de apanhar um comboio que me trouxesse de volta às terras templárias. Como já ia em cima da hora daquele que tinha pensado apanhar, e havendo ligações de hora em hora, resolvi ir comprar o bilhete com antecedência para depois me deliciar com um gelado-frente-ao-Tejo no Vasco da Gama. Subi as escadas que separam o Metro das bilheteiras dos comboios e… o choque! A Estação do Oriente estava transformada numa espécie de zona de caos, entupida de gente, que, pensei eu, abandonava a cidade na sequência da declaração da quarentena motivada pela pandemia-seja-ela-qual-for-mas-vamos-todos-morrer-com-a-peste! Antes fosse… Resolvido a não perder tempo, procurei uma bilheteira com menos clientes. Como a imediatamente oposta estava em idêntico estado caótico, fui para a outra ponta da estação onde – via eu – estavam bilheteiras abertas quase sem ninguém. Esquecia-me eu que em Portugal nunca nada é assim tão simples… Lá chegado e após fazer o meu pedido fui caridosamente informado pelo funcionário da CP que ali só se vendiam bilhetes para comboios suburbanos, devendo-me eu dirigir às sobrelotadas bilheteiras do outro lado. (Respiro fundo). E lá vou eu. O caos continuava, por isso resolvi procurar a fila mais curta para as "úteis" máquinas de bilhetes, na esperança de ainda ter tempo para o meu geladito. (Respiro fundo). Ao fim de 10 minutos, quando faltava apenas uma pessoa antes de mim, o papel acabou e aquela máquina (entretanto a única máquina na Estação a emitir bilhetes, à excepção daquelas destinadas "apenas aos comboios suburbanos" – dupla inspiração funda) tornou-se inútil. (Respiro fundo). Já tomado de, posso dizê-lo, algum azedume, lá enfrentei a fila para uma bilheteira, a qual, começando já a atravessar uma das pontes que ligam ambos os lados da estação, ameaçava encontrar-se com a fila da bilheteira contrária… Atrás de mim um rapaz do norte quase acabava o namoro (?) enquanto berrava com a sua cada-vez-menos-mais-que-tudo que insistia em não perceber/escutar/compreender uma palavra das que ele vociferava em desespero, sem saber se tinha comboio para ir para o "Puerto" e depois para "Nine". De um lado para o outro havia famílias inteiras a correr confusas, a pedir papel para as máquinas, agarradas aos telemóveis com mais interrogações do que respostas, ou simplesmente gente que, já sem comboio (os anúncios de comboios esgotados sucediam-se) sentava-se a pensar no que ia fazer. (Respiro fundo). Vinte minutos depois, chegou a minha vez e pude – finalmente – comprar bilhete. Entretanto o "meu gelado" já tinha ardido, e portanto, só me restou comprar uma "sandocha" e um sumo e ir para a plataforma…



O comboio chegou e nele, nós os refugiados em fuga, conseguimos entrar. Apenas entrar porque era tanta gente apinhada que eu, excentricamente claro está, apenas consegui sentar-me à partida de Santarém (isto, apesar de um distinto Deputado da Nação pelo PEV nunca ter cedido o seu lugar sentado a nenhuma das pessoas a que as regras mandam dar… educações!). Valeu-nos a sorte de termos um revisor que com calma, educação e simpatia conseguiu ir levando a água ao seu moinho, sem problemas de maior, apesar de por lá ter permanecido praticamente todo o tempo em que eu estive de pé. (Respiro fundo prolongadamente).




Alguém poder-me-á explicar por que raio a empresa que todos pagamos com os impostos não é capaz de cumprir com a missão para a qual foi criada? Alguém poder-me-á explicar porque é que, sendo véspera de feriado, de fim-de-semana prolongado, em tempos de crise (logo, não é preciso ser sobredotado, a afluência será sempre maior), a CP é incapaz de: a) colocar comboios a circular que respondam à procura? b) ter bilheteiras em número suficiente para esse aumento de procura? E já agora: em face do caos instalado na "estação central da capital", porque não há medidas de urgência, de adaptação que permitam uma resposta eficaz à procura dos clientes? Mas passa pela cabeça de alguém que, uma empresa cujo objectivo é "transporte de passageiros e mercadorias por via ferroviária" veja isso como uma actividade excedentária? Mas então serve para quê? Apenas para consumir fortunas anuais dos nosso impostos para financiar a incompetência e o laxismo? É pedir muito que me possa deslocar (mais ecologicamente, ainda para mais!) de comboio sem que para isso me sinta sempre no terceiro mundo? Será pedir demais não querer sentir-me enxovalhado junto dos inúmeros turistas que deambulavam (espantadíssimos, claro está!) pelo meio da confusão, porque o meu país simplesmente não consegue funcionar em termos "europeus"? E ainda querem um TGV? Mas para quê se nem para os comboios regionais servem?!



E já agora: alguém poder-me-á informar quando é que Kafka passou a ser obrigatório nos nossos serviços públicos? Desde já muito agradecido! (Respiro fundo)



P.S. Profeticamente o livro que me acompanhava nessa viagem era Carta ao pai de Franz Kafka…


© Imagem aqui.

4 comentários:

Pedro disse...

Não conheço a situação da CP (não ando de comboio), mas a situação de outros transportes públicos é idêntico. Sugiro uma reclamação por escrito, ou uma sugestão (geralmente os sites das instituições têm já essa função). Mais importante do que denunciar estas situações, é fazê-lo junto de quem efectivamente tem poder de decisão - os corpos dirigentes da dita instituição que, como é sabido, nunca sabem de nada - até porque não andam de comboio.

Kapitão Kaus disse...

Pois eu conheço bem a situação da CP: é triste e é assim mesmo! Além de que há imensas coisas que são publicitadas e que, depois, de facto, não funcionam. Ou só funcionam em certo horário, mas que não é anunciado nem na publicidade nem na mailing list que recebemos no correio electrónico, nós, que somos utilizadores de longo curso da CP.

Abraço:)

Luís P. disse...

Pedro: ai tá descansadinho que não se ficam sem uma reclamação! (só não a fiz na hora porque em Lx já não tive tempo e à chegada a estação já estava fechada... enfim! Coisas lusitanas...) Mas agora adoptei o princípio da reclamação, he he he:)

Abraço

Luís P. disse...

Kapitão Kaus: reclamações para a frente! "Rapidamente e em força!" ;) Se há coisa que começa a bulir-me com os nervos é a desfaçatez com que esta gente é incompetente e incumpridora e ainda se fica a rir!! Ao menos exerçamos os nossos direitos e reclamemos! (no mínimo serve para filtrar o veneno, he he he;))

Abraço