quinta-feira, 30 de abril de 2009

São Domingos

A tarde estava luminosa, com aquela luz-branca-reflectida-no-azul que só Lisboa e o Tejo nos conseguem dar. Um cheirinho do Verão acariciava já a pele e despertava os sentidos. Ao passar por São Domingos resolvi entrar…

(Desta magnífica igreja da Baixa alfacinha apenas conhecia a fachada e alguma história. Sabia-a mais antiga do que o traço pombalino dos edifícios circundantes; sabia-a palco do início do Massacre de Lisboa de 1506, o dia em que o fanatismo abalou a convivência pacífica secular e os judeus e cristãos-novos da cidade foram barbaramente perseguidos e assassinados – o começo dos autos de fé, ainda assim, antes dos autos de fé; sabia-a palco dos últimos casamentos reais a que os portugueses tiveram a graça de assistir na Monarquia Constitucional; sabia-a consumida por um incêndio (na década de 50 do século passado pelo que apurei); sabia-a bela e majestosa, com uma belíssima fachada (agora sei que o seu portal e a varanda que o encima são memória sobrevivente da antiga capela do Paço da Ribeira). Não sabia mais.)


Entrei.


A princípio impressiona o tamanho: é uma grande igreja salão, mais alta e mais larga do que a maioria a que estamos habituados, ampla e funda. Depois impressiona(-me) o kitsch característico de uma igreja eminentemente popular (portanto, pop): as inefáveis e superabundantes flores de pano e plástico; os mantos das santas em cetim branco de marcha popular; os potes e jarras das lojas chinesas, imitação de dinastias perdidas; a mesa e cadeirão do altar em imitação de talha dourada… Mas nada disso interessa em face do que presenciamos. Do que realmente, ali, presenciamos – a presença de Deus! É extraordinária a presença do Altíssimo que lá se sente, que nos envolve, que nos fascina, que nos toca o coração – um lugar santo na sua máxima definição. Acompanhado pelo campo gregoriano que, baixinho, embala os corações dos crentes, percorri aquele chão secular, admirando alguns dos extraordinários exemplos de arte sacra. De tudo, fica-me a lembrança – impressa na alma – de como a Igreja de São Domingos, apesar de consumida por um incêndio (e nunca restaurada no seu anterior esplendor), apesar dos rebocos caídos e estalados, apesar das paredes ainda chamuscadas (às quais o fumo das velas acesas – sim, ali ainda há velas a sério e não aquelas coisas irritantes que piscam por uma moedinha! – apesar das enormes colunas estaladas e esventradas, apesar das portas em madeira tosca, apesar dos púlpitos destruídos… resiste. O essencial, o que interessa, resiste. E não há terramotos, não há incêndios, não há acessórios que o perturbem: a casa do Senhor é-o sempre, seja em São Pedro do Vaticano, seja numa cabana africana, seja em São Domingos em Lisboa – Deus é sempre lá! De São Domingos trago a impressão de ser uma das mais belas igrejas que tenho memória de haver visitado: não pelo estético, mas sim pelo ético – não é Heraclito quem diz Ηθος Ανθρωπος Δαιμων (Fragmento 119)?





©Imagem aqui .

Sem comentários: