segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ninho

Um dia falei-te da casa que sonhei para nós, a nossa casa.

Tu sorriste, como fazes sempre que algo te magoa e não queres perder muito tempo a pensar nisso.

Falei-te das laranjeiras, daquelas que sonhei ter à volta e do seu perfume a entrar pelas janelas entreabertas nas tardes ensolaradas. Falei-te do tanque com água corrente e das flores nas janelas de guilhotina. Falei-te do cheiro a café fresco, dos livros esquecidos sobre as mesas, dos sorrisos nos retratos de família e das paredes em pedra. Falei-te da lareira e do cobertor no sofá. Falei-te das horas nas galerias, nas feiras e nas oficinas à procura de preciosidades. Falei-te dos fins de tarde no baloiço do alpendre. Falei-te do inventário das estrelas. Falei-te do barulho das beiras nas trepadeiras e das danças à chuva. Falei-te de ti, e dos degraus onde te sentarás apenas a respirar. Falei-te de mim e dos meus braços à tua volta. Falei-te do jasmim, das flores nas jarras e dos bichos. Falei-te do voo das aves e do azul do céu ao anoitecer. Falei-te da velhice, da cumplicidade de uma vida de mãos partilhadas. Falei-te dos gestos, dos silêncios juntos, das almofadas com pássaros azuis e vermelhos pintados. Falei-te do vento nas cortinas, do cheiro a bolo na cozinha, das garrafas alinhadas. Falei-te das botas à porta, da horta e do jardim das ervas. Falei-te das canções e das lágrimas. Falei-te das zangas, dos amuos e de como nunca iremos para a cama zangados.

Tu sorriste, como fazes sempre que algo te magoa e não queres perder muito tempo a pensar nisso.

Um dia falei-te de ti, e de como és a minha casa, o meu sonho, o meu ninho.

Tu sorriste, como fazes sempre que algo te magoa e não queres perder muito tempo a pensar nisso.

2 comentários:

AnAndrade disse...

Por que raio é que as coisas mais belas nascem quase sempre de uma incomensurável tristeza?!
Lindo, o teu texto.
Lindo.

No Limite do Oceano disse...

Que belo texto! A velocidade com que o li só não me vez esbarrar contra o ecrã do computador porque ainda vejo bem.

não são precisas muito fogo de artificio para se ter um texto que além de ser excelente, demonstra uma enorme capacidade de escrita.

Espero que um dia possas falar com alguém como falas no texto e por mais sorrisos que os lábios possam mostrar, que aja uma pausa para se pensar!

*Hugs n' smiles*
Carlos