domingo, 29 de março de 2009

Dicionário do Eu I

Vejo-me como tradicionalista-modernista! Tradicionalista, porque defensor da Tradição, do Cânone, como ponto de partida, de assentamento, de fundação de tudo o que se construir. Acredito que sem uma forte noção de tempo, de passado, sem um conhecimento aprofundado desse mesmo passado, da História, das tradições, não há futuro, não há progresso, não há sabedoria. Acho que só assim poderemos procurar evitar os erros já cometidos, só assim podemos carregar a herança que nos foi legada, só assim transmitimos aos vindouros o que nos foi ensinado – e é nisso que residem as Nações, os Povos, as Culturas, as Religiões. Mas essa transmissão, esse respeito pela tradição, nunca pode ser uma mera conservação em formol. Não. Isso é a morte da tradição. A tradição, tal como a religião (e o Catolicismo é óptimo para perceber isso!), tem de reinventar-se a cada momento, a cada gesto, a cada repetição. No espírito daquele velho provérbio que diz: quem conta um conto acrescenta um ponto.

E modernista no espírito dos Modernistas de início do século XX. Tenho uma crença e um fascínio, totalmente infundados no futuro, nesse futuro enraizado na tradição. Fascinam-me as coisas novas, o novum, o advento. Sou um curioso das máquinas, apesar de nada perceber delas; mas gosto das novidades, da novidade, do que vem do que chega, do que está-a-vir… Partilho alguma da crença no progresso, nos avanços da civilização (como então se dizia), mas sem tentações positivistas ou cientistas (que aliás abomino particularmente). Talvez, isso, explique porque sou ritualista; e isto no sentido de gostar de rituais (por exemplo, religiosamente, quanto mais ritualizada for uma cerimónia, mais ela me encanta), de precisar de rituais e da ligação que eles estabelecem. Porque é bom saber que o rio continua a correr para além de nós, que o tempo não pára por nossa causa, e que a nós cabe o lugar único de receber e transmitir o legado. O futuro é só o herdeiro da tradição.

©Guilherme Santa-Rita, Cabeça, 1910

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