sábado, 28 de março de 2009

Coches

Há coisas que me espantam pelo alarde que levantam ou que não levantam. E mais espantado fico quando constato que acabo por não concordar com nenhuma das partes antagonizantes. Anda aí - em certos círculos claro, que as "massas" têm outras preocupações - um sururu imenso à conta do projecto para o novo Museu Nacional dos Coches (MNC). Uns são a favor e pronto, havendo muitos destes que pretenderiam associar a inauguração do novo museu às """«comemorações»""" do Centenário da Implantação da República. Outros são contra, porque querem manter o actual espaço do museu no Real Picadeiro de Belém, porque acham que um país mergulhado na crise não pode gastar 31,5 milhões de euros num novo edifício, porque estão (igualmente) contra uma possível transferência do Museu Nacional de Arqueologia, do Mosteiro dos Jerónimos para a Cordoaria Nacional, e porque alguns acham que a associação do MNC às comemorações do centenário da República é uma clara afronta à memória da sua fundadora, a Sra. D Amélia de Orléans e Bragança, penúltima Rainha de Portugal, e última a "exercer funções" em solo nacional.

Ora eu, como já disse, discordo de ambas as posições. Começando pelo mais simples, é evidentemente uma afronta e um ultraje à memória e à figura ímpar da Rainha D. Amélia que uma das suas mais graciosas dádivas seja associada à infame (e cada vez mais decrépita) República. Em primeiro lugar porque o MNC não foi criado apenas ao tempo da Rainha, tendo existido de qualquer forma sem o contributo dela. Aí talvez fosse aceitável. Não. O MNC foi uma criação da Rainha, uma dádiva impagável da Rainha à cultura portuguesa, salvando da destruição e da ruína a fabulosa colecção que logrou conseguir e reunir, a começar pelos coches da Casa Real. Foi Sua Majestade que imaginou aquele que é o museu de maior prestígio em Portugal, o mais visitado, e um dos poucos a albergar uma colecção ímpar o mundo. Pretender esquecê-lo, escondê-lo, apagá-lo, desvalorizá-lo ou associá-lo a um dos mais nefastos acontecimentos da vida da Rainha (e, eu acrescentaria, da vida de Portugal) é, no mínimo uma imbecilidade, no máximo um ultraje, uma ofensa gravíssima (mais uma a quem deu tudo o que alguém pode dar por uma pátria!), um acto desprezível e desonrado (mas isso, infelizmente, é apanágio de muitos por ). Com um mínimo de vergonha na cara e respeito por quem sempre o mereceu, deveriam sim atribuir o nome da Rainha ao MNC, e aí, talvez, começassem a repor a verdade e a pagar (à Sua memória, já se sabe) o muito que lhe ficaram devendo (e ficámos todos, enquanto Povo e Nação).


Quanto ao espaço do actual museu, o Real Picadeiro de Belém, não me parece que haja uma ligação suficientemente forte para manter o museu naquele espaço. Ou melhor: é verdade que foi lá que a Rainha D. Amélia o instalou, mas isso, parece-me, porque a Rainha havia habitado o Palácio de Belém, conhecia bem o espaço, sabia-o disponível e subaproveitado, e portanto remediou-se a situação (haverá palavra mais portuguesa do que remediou-se…) aí instalando o museu. Mais: em bom rigor, apenas parte do MNC aí se encontra. A restante colecção (onde se destaca, por exemplo, a "carruagem do Regicídio" na qual D. Amélia procurou defender os seus dos assassinos que os atacaram) encontra-se no denominado "Anexo de Vila Viçosa", um anexo tão mais estranho quanto fica a 200 km de distância. Ou seja: o actual edifício padece dessa falha grave: a impossibilidade da reunião da colecção, o que traria benefícios e enriquecimentos óbvios à exposição e às leituras que dela se fizessem. Daí que eu defenda a existência de um novo edifício. O que espero é que o novo edifício permita mostrar toda a colecção (e mais alguma coisa que venha a ser adquirida para o museu, é claro), contextualizá-la, valorizá-la e difundi-la. Para o Real Picadeiro de Belém defendo – como tenho lido de vez em quando na imprensa – a sua utilização para os espectáculos da Escola Portuguesa de Arte Equestre (EPAE). Que o mesmo esteja impossibilitado de o fazer por "pareceres técnicos de finais dos anos 90" (como a petição refere) desconheço absolutamente. Se isso se dever à falta de instalações permanentes para os "artistas" e para os treinos, julgo que um dos vários quartéis da Calçada da Ajuda possa ser utilizado para esse fim, realizando-se do velho Real Picadeiro apenas as apresentações artísticas/turísticas, as quais, poderão, inclusive, ser diárias. Assim, os turistas que visitarem Lisboa poderão, não só ver os coches no MNC, como também assistir aos magníficos espectáculos da Escola Portuguesa de Arte Equestre, os quais poderiam até passar a integrar algumas das peças do museu (se há coisa que me faz espécie é que museus desse tipo não dêem uso a, pelo menos, parte da colecção). E a ideia (que já li em tempos) de haver carruagens em Belém para alguns percursos ali na zona não me parece nada tonta, muito pelo contrário!


No que diz respeito ao custo do projecto, acho o argumento inutilizável! Um país que não se incomoda em gastar milhões num TGV que poucos usarão e que (já está estudado e estabelecido, ou alguém no seu juízo perfeito acredita que no "longínquo" 2016 ou lá quando é, um bilhete de TGV seja mais barato do que já é hoje um Alfa Pendular?) dará prejuízo, para encurtar a viagem Lisboa-Porto em 15 minutos; um país que não se incomoda em gastar outros tantos milhões em auto-estradas paralelas com reduzidíssima utilização; um país que não se incomoda de gastar milhões em inutilidades e produtos sobrevalorizados como se pode constatar no site onde as contas do Estado e Autarquias estão publicitadas; um país que não se incomoda que as "obras públicas" tenham constantes derrapagens que custam fortunas ao erário público; um país que abandona os edifícios estatais para instalar as suas repartições em edifícios arrendados que consomem o valor da venda dos anteriores numa década; é este o país que regateia (é esse o termo) uns "míseros" 30 milhões para o seu melhor, mais visitado e mais internacional museu estatal? Haja decência! Se um novo museu com as valências que já referi, com as novas instalações da EPAE, custasse o dobro, ainda assim eu por mim, estaria disposto a pagar. A diferença? É que aqui há uma beneficiação, produtiva, rentável e que do ponto de vista turístico, valerá mais do que todas as "campanhas de produção", essas sim milionárias, que o nosso Estado paga com a eficácia conhecida! Ou melhor: absolutamente desconhecida!




Por último a questão do Museu Nacional de Arqueologia (MNA). Em primeiro lugar não percebo – em bom português - o que é que o cu tem a ver com as calças?! (andava há que tempos para aqui deixar esta expressão que uso amiúde e gosto tanto!) Mas, excluindo a inexistência de ligação (que julgo se resumirá a "um museu nacional muda de lugar"), vamos lá ver: acho bem!Sou e sempre fui contra a manutenção do MNA no Mosteiro dos Jerónimos. Em Portugal há essa mania de aproveitamento de espaços – o tal remediar – que por vezes, dada a sua carga simbólica, nada têm a ver com o uso que lhes é dado. O MNA parece-me, claramente, o caso típico. Museu instalado num convento vítima da nacionalização do Liberalismo do século XIX, foi sempre "uma coisa" que ali se acomodou, sem grande espaço, mas também sem alternativa, numa ala, sem grandes hipóteses de alargamento, sem grande dignidade (porque essa é-lhe roubada pelo Mosteiro em si). Se a Cordoaria Nacional é uma boa solução desconheço inteiramente. A Cordoaria é daqueles espaços belos que se salvaram do camartelo (e bem!), que se preservaram (graças a Deus!), mas com o qual não se tem uma ideia muito clara do que fazer… Para o MNA eu tenho um espaço que há anos me parece mais indicado: o Convento do Carmo. Mas oiço dizer que esse será um espaço dedicado a um "Museu da GNR" com a (tão na moda) "sala de memória do 25 de Abril"… A mim parece-me que o local, com as ruínas da Igreja do Carmo ali ao lado, com a envolvência, daria um excelente MNA! E assim se arranjaria uma "desculpa" (por são sempre necessárias para realizar alguma recuperação) para, não só revitalizar e abrir à comunidade o belo espaço do convento, como também para dinamizar e embelezar a zona do Carmo, tão mal tratada e descuidada está uma das praças mais bonitas de Lisboa.


E isto, é claro, se a existência de um MNA individualizado for algo considerado necessário. Não me chocava nada, nada, nada, que (pelo menos!) o MNA, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) e parte da colecção do Museu Nacional de Arte Contemporânea/Museu do Chiado (a parte novecentista da colecção pouco ou nada tem de contemporâneo…) fossem reunidos num único e grande museu nacional. Uma espécie de Museu Britânico ou Louvre à escala nacional, grande, espaçoso, bem iluminado, informativo, dinâmico. Com uma forte política de compras e enriquecimento da colecção – um mostruário, uma catedral do Portugal Antigo, se possível instalado numas Janelas Verdes (haverá nome mais belo para um museu?) alargadas, alargadas, alargadas, conservadas, restauradas, dinamizadas, recicladas, dinamizadas, com aquela soberba vista para o Tejo. Custasse isso um TGV e ver-me-iam, qual cão de Pavlov, na primeira fila de apoiantes!

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