sábado, 6 de dezembro de 2008

Esperas

"(…) A princesa, compadecida por tão puro amor, disse-lhe então que se ele ficasse cem dias e sem noites debaixo da sua janela, lhe votaria um amor igual. (…) Conto Antigo

© Cobra, iô-iô



Como na fábula te aguardei, te guardei, te esperei debaixo da janela. Debaixo da tua janela. Mudavam as horas, soavam os sinos, e eu lá ia na penumbra da noite, guardar a tua janela. Mais de cem noites o fiz, mais de cem. Sempre que te sentia a falta, sempre que te sentia mais a falta, eu lá estava, noite após noite, umas vezes enregelado pelo frio, outras pingado pela chuva, mas eu lá estava. Debaixo da tua janela o ar tinha outro cheiro e a lua brilhava muitomuitomuito mais. Debaixo da tua janela te esperei, em silêncio, abrigado na escuridão da noite. Lá contemplei as sobras de ti que me chegavam, um vulto, as réstias de luz da televisão acesa enquanto dormias. Algumas noites cheguei antes de ti, noutras, simplesmente, já estavas a dormir. E eu a vaguear. Debaixo da tua janela fiz todas as orações do mundo, todas as orações que a terra pode parir num parto longo e doloroso. Debaixo da tua janela rezei. Por ti, por nós, por ti e por mim. Tantas horas debaixo daquele parapeito, para estar mais perto, para estar juntinho a ti. Para te proteger o sono, para afugentar todos os teus fantasmas.


Ter-me-ás sentido algum dia? Algum dia terás sentido a minha presença? Acredito que sim. Sinceramente acredito que sim. Tu sempre me soubeste por perto, sempre soubeste adivinhar que eu ali estava, que eu ali estava, nunca longe, nunca definitivamente longe. É uma das nossas coisas, esta capacidade de nos sabermos, de nos reconhecermos, de nos sentirmos, para além de todos os tempos, para além de todas as distâncias, sempre perto, sempre lado a lado. Sem nunca nos separarmos. Sem nunca dizer-mos adeus. Sabemos sempre um onde o outro está. Como está.


É como aquele sonho que um dia tivemos, numa noite em que tivemos o mesmo sonho: eu sentado com a tua mão apoiada no meu ombro; tu de pé, atrás de mim, a derramares os teus beijos na minha cabeça enquanto me abraçavas. Lembras-te? Nunca te vi, mas sempre soube que eras tu. Senti-te. Senti-te o cheiro e a força. Senti-te o amor e a ternura. Senti-te como te sinto tantas e tantas vezes.


Tu sempre me soubeste lá em baixo. E eu sempre soube que tu o saberias.

1 comentário:

No Limite do Oceano disse...

Gostei do texto, profundo, simples, mágico e sonhador. Quando escrevo gosto de deixar algo no ar, nem sempre consigo, mas no que toca aos textos de outros, sinto sempre o mesma vontade de ir até ao meu espaço de soltar a língua da alma para fora e esperar que ela me conta um conto para que eu posso escrever...esperar...

*Hugs n' smiles*
Carlos