quarta-feira, 24 de junho de 2009

Em terra de Lacan, espeto de pau

Sempre me inquietaram as pessoas (ou instituições) que se julgam superiores às outras. Sempre me irritaram esses comportamentos e esses pensamentos. Mais do que a arrogância, o que mais me irrita é a sobranceria, a displicência, a triste presunção de superioridade. E a esquerda está impregnada dela. Poderíamos dizer que isso só acontece em Portugal devido às vicissitudes do processo revolucionário do qual ainda vivemos o rastro, que enviesou estranha e perniciosamente a sociedade para a esquerda. Mas não. Pelos vistos, não é só cá.


Acabo de escutar algumas declarações da esquerda francesa (a famosíssima e "reputadíssima" gauche, a tal que deu origem à própria designação – o que será sintomático!) e não me canso de ficar espantando. Saídos de uma imensa derrota eleitoral (uma das premissas base da esquerda é muito simples: os eleitores são sempre esclarecidíssimos e vanguardistas quando votam à gauche, e os mesmos eleitores são sempre burros, atrasados, perigosos para a democracia, xenófobos, racistas e afins quando votam à droite) nas recentes eleições europeias, a esquerda europeia (e a francesa muito particularmente) parece não ter aprendido nada! Comentando a remodelação governamental operada pelo Presidente Francês, Nicolas Sarkozy, duas posições foram vincadas. Uma diz que a remodelação nada vem mudar porque vem continuar "a política liberal que conduziu à grave crise que vivemos"; talvez seja bom alguém explicar a esses senhores que os eleitores, ou seja, o povo soberano (na melhor tradição rousseauniana) votou por essa "política liberal" (seja isso o que for no contexto continental europeu) contra – precisamente – a alternativa (só a palavra já me faz rir!) socialista (englobando aqui todas as esquerdas por processo simplificativo); logo, convém que aprendam a viver em democracia e passem a respeitar os resultados das eleições livres, caso contrário – aí sim! – poderemos falar de um ataque à democracia, ou, no mínimo, uma má relação da esquerda com a vivência democrática sempre que ela a afasta do poder. A outra considera "gravíssimo" que um sobrinho (a política e os negócios das polis europeias parecem estar pejadas de tios e sobrinhos…) do antigo Presidente Mitterrand (socialista) "aceite governar ao lado de Sarkozy", acrescentando que os ossos do antigo Presidente devem estar a dar voltas na tumba. Sem tecer mais considerações com o aspecto mais esotérico das afirmações, o que mais choca é ser-lhes totalmente inconcebível conceber a diferença, o pensamento diferente, a oposição (tout court). E isto agravado pela obrigação familiar em estar do "único lado da verdade", presumo…! Talvez seja (igualmente) bom alguém dizer-lhes quem foi o Presidente Mitterrand e quais alguns dos seus actos (como o atentado contra o Rainbow Warrior ordenado por" tão casta e venerável figura" – o ambiente é sempre uma flor da lapela da esquerda).




Ou seja: talvez seja melhor a esquerda francesa (e já agora a europeia) começar a frequentar os consultórios de psicanálise e similares. É que a recusa da realidade e a criação de um mundo paralelo começam a ser por demais evidentes e por demais patológicos! Eu, com sobranceria, até já começo a ficar constrangido!...








© Sofá de Freud.

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