quinta-feira, 11 de junho de 2009

Maravilhas Portuguesas no Mundo

Finalmente realizou-se a cerimónia de revelação das 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo. Já aqui falei no assunto, mas ainda e apenas pela rama. Continuo sem perceber qual o critério que regeu a escolha destas e não de outras. Continuo sem perceber porque é que o continente europeu ficou de fora das escolhas. Continuo sem perceber o porquê da expressão "de origem portuguesa", quando muitas delas são maravilhas portuguesas, ponto.

Aquilo a que se assistiu na transmissão da RTP foi mais uma lição do que não deve ser feito nestes casos. Para uma ocasião anunciada como épica, o que ficou foi um sabor a amadorismo, a pequenez, a espectáculozinho… E – o que é ainda mais surpreendente – tudo foi feito sem esboçar uma única ideia do que foi a expansão portuguesa no mundo, quais as suas causas e quais os seus efeitos, quais as suas similitudes com outros movimentos da História e quais as suas idiossincrasias (a meu ver, mais estas do que as outras). Nada. Apenas uma glorificação saloia e remediada do "génio português" (sem nunca esclarecer o que raio isso fosse) que, ao que parece, empreendeu os Descobrimentos e a Expansão portuguesa para o Ultramar para fazer "amigos", abraçar os "irmãos", promover a "diversidade", doar "sorrisos" e, já agora, deixar obras de arte espalhadas pelo mundo porque-tinham-uma-pancada-muito-grande-e-deu-lhes-p'rá-i-pah! Até tiveram oportunidade de passar um pequeno documentário sobre a presença portuguesa na Índia, com os nossos compatriotas a chorarem e a lamentarem a ausência lusitana nas terras goesas e do Guzarate – mas aquilo que a mim me deixou em pranto (haverá coisa mais louca do que chorarem por nós a milhares de quilómetros de distância, lá, abandonados à sua sorte, sem apoio, sem contacto, sem religio dos laços?) foi encarado com um sorriso e como uma excentricidade curiosa, tudo sem consequências, sem ser assinalado, sem ser minimamente enquadrado/meditado. Ou seja: tudo muito new age e politicamente correcto. Uma miséria confrangedora, foi o que foi.


Mesmo sabendo que em tempos de "voto telefónico" e "voto cibernáutico" isso vale o que vale, fiz a minha escolha (partindo apenas das opções que nos eram dadas). Esta foi alicerçada em alguns critérios, a saber: excepcionalidade no panorama da cultura portuguesa; rigor da composição; capacidade técnica e inovação; originalidade; grau de preservação; qualidade da obra; distribuição geográfica; importância para a cultura (portuguesa, local, mundial); importância na história da Expansão portuguesa; síntese de estilos. Para figurar entre as 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo escolhi:





* Sé de Goa, em Goa, na Índia – um dos mais belos exemplos de uma catedral portuguesa no mundo, numa magnífica síntese entre a arte europeia/ocidental e a arte oriental/indiana. Um monumento hindo-português admirável pelas dimensões, pela decoração e talha primorosa, pelo enorme e magnífico altar-mor (o maior de todo o Oriente), pela simbiose perfeita entre os estilos e tradições lá presentes. Acresce ser a sede do Patriarcado das Índias Orientais, essa dignidade rara atribuída a apenas 5 Prelados (para além do próprio Papa) no Rito Latino da Igreja Católica Romana (um dos quais é o Patriarca de Lisboa, o que comprova a importância dos portugueses reconhecida pela Igreja!).


* Igreja de São Paulo, em Macau, na China – Esta igreja (ou mais propriamente, esta frontaria, uma vez que pouco mais resta da igreja) é, talvez, o mais belo exemplo de arquitectura sino-portuguesa existente e, certamente, o mais belo exemplo de uma igreja jesuítica de raiz portuguesa. Ícone por excelência da Cidade do Santo Nome de Deus de Macau é ainda o símbolo mais florescente da extraordinária empresa que foi a evangelização do Oriente. Nela encontram repouso e memória os Mártires do Japão; nela o programa iconográfico mostra a verdadeira universalidade da fé cristã. Em qualquer concurso o seu lugar e o seu valor estarão sempre assegurados!




* Colónia do Sacramento, no Uruguai – um belo exemplo de uma cidade portuguesa na América do Sul, símbolo do Império Luso-Americano que tanto alimentou a imaginação e o esforço da nossa história e dos nossos antepassados até ao primeiro quartel do século XIX (o Abade de Baçal chegou a ter o sonho utópico de uma América unida sob o estandarte da Cada de Bragança!). É um símbolo porque não é brasileira; é um símbolo porque foi construída frente a Buenos Aires para ser o sinal da soberania lusitana; é um símbolo porque, apesar das vicissitudes da história, conserva o carácter de uma antiga cidade portuguesa; é um símbolo porque é o mais visitado dos sítios turísticos do Uruguai; é um símbolo porque nos une a uma outra América, não brasileira, e nos confunde com os caminhos do tango. Esta foi, confesso, uma das coisas boas que este concurso me trouxe: deu-me a conhecer a Colónia do Sacramento!


* Fortaleza de Diu, Ilha de Diu, Índia – uma das maiores, mais belas e mais fortes fortalezas portuguesas no mundo. Belíssima com os seus muros vermelhos foi inexpugnável durante séculos o que atesta a qualidade da sua concepção, bem como a capacidade militar e tecnológica dos portugueses. Símbolo lusitano no Guzarate, é um símbolo do nosso modo de fazer: foi construída através da diplomacia e mantida face a todos os ataques pela força das armas e da valentia dos seus defensores. É um dos mais belos lugares que já vi (infelizmente ainda não presencialmente) no mundo.




* Ilha de Moçambique, em Moçambique – capital histórica dos territórios que viriam a formar Moçambique (e origem do seu nome), é uma das jóias mais raras e mais bem conseguidas da presença portuguesa no mundo. Em tempos vi um documentário sobre a antiga carreira dos hidroaviões do Império Britânico que, do Cairo à África do Sul uniam os territórios de Sua Majestade Britânica em África. A penúltima das suas paragens era precisamente na Ilha de Moçambique, considerada a jóia da viagem: uma cidade europeia, de arquitectura requintada, elegante, de palácios e igrejas de traça clássica, um magnífico hospital de traça colonial/imperial, praças e jardins com candeeiros de ferro forjado a contemplar o azul do Índico… Desde então nunca esquecerei a impressão que me causou ver essas imagens (já lá irão mais de 15 anos), e ainda hoje a considero das coisas que mais nos devem orgulhar enquanto portugueses. É (reconhecida e merecidamente) o maior e o melhor conjunto de monumentos e construções europeias (dizer portuguesas é uma redundância) em África anteriores ao século XIX e atesta 500 anos de relações entre o Índico e o Atlântico Norte, entre as religiões do norte (cristianismo e islamismo) e os cultos locais. É uma pérola, uma beleza e um monumento maior dos portugueses que muito mais se deveriam empenhar na sua reconstrução/preservação.


* Fortaleza de Mazagão, em Marrocos – ai a Mazagão do nosso imaginário infantil, uma das famosas praças africanas por onde tudo começou! A sua história está ligada ao Reino de Portugal no norte de África, mas também, à história do Brasil: fundada pelos portugueses na costa africana, foi para a colónia americana que os habitantes de Mazagão partiram em 1769, abandonando a cidade africana e fundando na Amazónia uma nova cidade denominada "Nova Mazagão". Exemplo da arquitectura militar lusitana no norte de África contruída em tempo recorde, foi das maiores cidades portuguesas por . Ostenta ainda hoje, não apenas as muralhas e baluartes, mas também duas das igrejas que construímos, o traçado urbano de origem portuguesa e uma belíssima e utilíssima cisterna-monumento, que só por si, valeria a classificação e o prémio!



* Convento de São Francisco e Ordem Terceira, em São Salvador da Baía, Brasil – se no Brasil muitas e inúmeras eram as possibilidades de monumentos para serem maravilhas portuguesas (começando na própria cidade de São Salvador, passando pelo Real Gabinete Português de Leitura (no Rio de Janeiro), e terminando no próprio país, o Brasil!), parece-me que este convento reúne muito do que de melhor se construiu (artisticamente falando) em terras sul-americanas. Para além de ficar situado naquela que foi a primeira capital portuguesa em terras de Vera Cruz (São Salvador da Baía de Todos-os-Santos), cidade berço e ícone da cultura brasileira (e de um certo luso-tropicalismo), este é um monumento onde se sintetiza o programa barroco português (muito especialmente na sua versão brasileira), como aliás bem refere Pedro Dias: "espaço e funcionalidade, esculturas abundantes e belas, e um vulcão de talhas refulgentes, azulejos de primeiríssima plana, mobiliário de ricas madeiras locais, sobrecarregando os estilos europeus em que se inspiraram os marceneiros, pinturas de bons mestres, tudo isto faz deste conjunto de edifícios um caso excepcional, mesmo numa cidade tão rica como Salvador da Baía"


Se destes monumentos, quatro foram escolhidos como vencedores, outros houve que figuraram na lista final e que não considerei excepcionais, a saber: Basílica do Bom Jesus de Goa, em Goa, Índia (possivelmente por ser onde jazem os restos mortais de São Francisco Xavier); Convento de São Francisco de Assis da Penitência, em Ouro Preto, Brasil (um dos belos exemplos do barroco luso-tropical); Cidade Velha de Santiago, em Santiago, Cabo Verde, e este – talvez – o caso mais surpreendente (só compreensível em face do sistema de votação). A Cidade Velha de Santiago (antiga Ribeira Grande) é efectivamente um lugar histórico importante na medida em que foi a primeira cidade construída pelos portugueses fora da Europa. Mas o grau de devastação que a reduz a um sítio arqueológico mais duas ou três peças (igrejas, fortaleza e pelourinho) pouco importantes arquitectonicamente, não me parece que possa constituir causa suficiente para esta classificação. Parece-me sim que é uma ajuda para que a candidatura da Cidade Velha a Património Mundial certificado pela UNESCO tenha mais hipóteses de ser aceite (e justamente aceite, refira-se! Apenas a comparação com outros monumentos candidatos – do qual salta à vista a Ilha de Moçambique, ou mesmo as ruínas de Baçaim, na Índia, ambos os lugares com muito mais património e concepção mais rebuscada – a diminuem).


Enfim: sete anos depois da extinção da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, perdeu-se mais uma hipótese (mais a mais uma oportunidade pop, tão ao gosto dos tempos que correm) de repensar a história e o contributo lusitano para a História do mundo. Outros virão!







© Sé Cadetral de Goa, São Paulo de Macau, Colónia do Sacramento, Fortaleza de Diu, Ilha de Moçambique, Fortaleza de Mazagão, Convento de São Francisco e Ordem Terceira


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