
prender-te no avesso das minhas pálpebras
para assim jamais deixar de te ver
O que dá lugar ao lugar, uma folha líquida de inscrição.
" (…) [O Estatuto Político-Administrativo dos Açores] restringe, por lei ordinária, o exercício dos poderes do Presidente da República previstos na Constituição (…)" "Trata-se de uma solução absurda" [que] "não mais poderá ser corrigida pelos deputados" [que assim ficam] "hipotecados para sempre".
" (…) abala o equilíbrio de poderes e afecta o normal funcionamento das instituições da República".
"Está em causa uma questão de lealdade no relacionamento entre órgãos de soberania"
"O que está em causa é o superior interesse do Estado português."
"A ser assim, a qualidade da nossa democracia sofreu um sério revés."
"Ninguém poderá dizer que não fiz tudo para impedir que interesses partidários de ocasião se sobrepusessem aos superiores interesses nacionais."
Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa
Ao que parece, este autêntico cardápio de pérolas republicanas, não foi, ainda assim, suficiente para que alguma medida fosse tomada. Não! Promulga-se algo que se julga catastrófico, apenas em nome da estabilidade e do superior interesse do próprio em conservar o seu cargo. "Convicções para o lixo", poderia ser o subtítulo desta espantosa comunicação à Nação feita pelo Presidente da República. O seráfico Professor Cavaco faz lembrar uma daquelas senhoras que, apesar da cara amassada, do braço partido e dos queixumes sobre o comportamento violento do marido, nada faz, nada muda, nada separa. Come e cala, em bom português!
Por infinitamente menos do que isto o Dr. Sampaio dissolveu a Assembleia da República, por "perigo para as instituições". O Professor Cavaco prefere ver a casa a arder e chorar e espernear e gritar "Eu bem disse! Eu bem disse!"
Por infinitamente menos do que isto, o Grão-duque do Luxemburgo recusou recentemente a promulgação de uma lei da eutanásia, que atentando contra as suas convicções, crê atentar igualmente contra os superiores interesses da Nação.
Por infinitamente menos do que isto, muitas cabeças rolaram noutros tempos, metafórica e não tão metaforicamente!
Contudo, no momento pátrio actual, chora-se, esperneia-se, lamenta-se, discursa-se, indigna-se… e mete-se a cabeça na manjedoura! Como aqui se diz, ao que isto chegou! Ao que isto chegou!
* Corre por aí um boato de que o Sr. D. Carlos I trataria a sua amada pátria por "a choldra"... Sendo isto absolutamente infundado e falso, é falso também que a tão amada pátria fosse, nessa altura, uma choldra. Já no momento actual, choldra é um termo carinhoso para o lugar onde chegámos. Carinhoso e demasiado honroso!
Ah-ah-ah-aaaaah
Ah-ah-ah-aaaaah
My own true love
My own true love
At last I've found you
My own true love
No lips but yours
No arms but yours
Will ever lead me
Through Heaven's door
I roamed the Earth
In search of this
I knew I'd know you
Know you by your kiss
And by your kiss
You've shown true love
I'm yours forever
My own true love
My own true love
The music was written by Max Steiner in 1939 as"Tara's Theme" from the film "Gone With The Wind".The lyrics were added by Mack David in 1959.
Este tema, imortal criação para "E tudo o vento levou" - para mim um dos mais belos filmes de sempre - teve a honra de ser "letrado" mais tarde, e interpretado nesta versão por Nana Mouskouri. E que poema! E que interpretação! Sabe bem (re)ouvir! Sabe bem (re)sonhar!
Um dia disseram-me que o Pai Natal (o caixeiro-viajante que distribuía as prendinhas do Menino Jesus, ou, como por cá se dizia simplesmente, distribuía o menino jesus) trazia as prendinhas numa grande sacola às costas. Mais: disseram-me que o dito Sr., por uma qualquer parafilia estranha que não me foi explicada, tinha por hábito entrar na nossa casa pela chaminé (a da sala, não a da cozinha, talvez por aquela pouco se acender, não sei!) afim de deixar no sapatinho (um que lá deixávamos todas as vésperas de Natal) as lembrancinhas. Eu, sempre tomado por um espírito inquiridor, muni-me da locomoção e fui à rua olhar para a chaminé... Rapidamente constatei que era impossível um homem (gordo ou magro que fosse) conseguir entrar pelas pequenas ventanas que a coroam, e assim acabei interiormente com um mito que, na minha cabeça, terá durado 15 segundos. 
Parabéns ao Menino Jesus!!!
Porque o Natal é, no princípio e no fim, a celebração do seu nascimento. Mesmo que esse tenha acontecido noutro lugar, noutro tempo, noutra época. Mesmo que as raízes da festa sejam pré-cristãs, sejam a celebração da vitória da luz sobre as trevas, da vida sobre a morte. Mesmo que os laicismos, o consumismo e outros ismos que tais o tentem fazer esquecer. Mesmo que o Pai Natal da Coca-Cola nos entre pela casa dentro a toda a hora. Mesmo que o espírito esteja apagado no ruído mediático do infantilismo. Mesmo que O esqueçam, esta é a celebração do Seu Nascimento. Da sua primeira vitória. Da sua Vinda. Da sua entrega. Do Seu Amor.
Porque o Natal é, no princípio e no fim, a celebração do Seu nascimento, parabéns ao Menino Jesus! (pronto e lá pelo meio também pode ser: e os sonhos; e as filhozes (ou os belhozes como por cá se diz); e as fatias douradas; e as lampreias de ovos; e as fatias da China; e os bombons; e os coscorões; e as fantasias de Natal; e os papéis coloridos; e as fitas de todas as cores; e o calor da lareira; e a lembrança dos que já cá não estão, mas que foram felizes connosco; e o aroma da nossa infância; e os licores; e o cheiro do musgo; e as cores do presépio; e as meias; e a reunião; e a família; e o coração cheio de todos aqueles que escolhemos que fossem - e sejam - a nossa família!)
Corre caballito, vamos a Belén
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De mãos sobre os olhos
caminho
À sombra da tua pele de verão
respiro o sal e o fruto

Há uns dias atrás, no dia de Nossa Senhora da Conceição, a casa despertou com os telefones todos a tocarem em simultâneo; do outro lado da linha avisavam-me que a M. (uma velha amiga da família, daqueles amigos em que já os avós o eram) havia sido encontrada nua e confusa no patamar do andar onde vive, afirmando haver sido assaltada; mais me diziam que, uma vez chamada a Guarda, esta rapidamente havia constatado que nada se teria passado e que tudo aquilo não passaria de um delírio. Saída a Guarda, quem me chamava e me dizia ser uma vizinha, dizia-me que, uma vez que os bombeiros se recusavam a levar a M. para o hospital por ela recusar essa ajuda, não sabiam como proceder, não tinham contactos da família mais próxima (a M. nunca casou, nem teve irmãos), enfim: não faziam a mais pequena ideia do que fazer.
De pronto lhes disse que iríamos de imediato para lá, devendo apenas levar o tempo necessário para trocar as nossas mórficas vestes por algo mais apresentável. Quando chegámos, a M. não estava tão confusa como ma tinham pintado, reconhecia e falava com nexo com toda a gente, não fosse o permanecer nua, sentada na sanita, e insistir que tinha de ir tomar banho. Das 9.30 às 12.30 lá estivemos nós (bem, mais propriamente a minha madrinha e meia vila!) a convencer a M. a arranjar-se a fim de ir ao hospital fazer exames para saber o que tinha acontecido. A M. lá acedeu finalmente a fazê-lo, não sem antes tomar dois banhos (a M. é ligeiramente obsessivo-compulsiva, tomando 2 banhos por dia, e repetindo os mesmos rituais, mais ou menos à mesma hora, há mais de 50 anos) e vincar que nunca iria de ambulância. Ora nós, na qualidade de amigos mais antigos ali presentes (a minha madrinha conhece a M. desde a meninice), lá nos disponibilizámos para a acompanhar ao Hospital de Nossa Senhora da Graça de Tomar. Assim fizemos, e assim se passou o nosso feriado já que lá permanecemos até às 23.OO, altura em que nos comunicaram (a nós, à G. (a vizinha que havia encontrado a M.) e à G. (prima direita da M. ali presente depois da nossa chamada a meio da tarde) que a M. ficaria em observação naquela noite no S.O., só para acautelar (através de posteriores exames) que o pior já havia passado e que tudo aquilo apenas havia resultado de um pequeno AVC. No dia seguinte, ao fim da manhã, a M. regressou a casa acompanhada pela G. e desde então tem vindo a melhorar a olhos vistos.
Até aqui tudo normal, dentro do padrão de normalidade alargada que a M. convoca sempre à sua volta, devido a ser, aquilo que poderíamos denominar por uma figura. Ímpar e inconfundível! O que não acho de todo normal são três outras coisas.
Em primeiro lugar, a atitude dos bombeiros, ou seja, da (dita) protecção civil. Considerando que não é propriamente corriqueiro e habitual andarmos todos nus nos patamares das escadas dos prédios que habitamos enquanto descrevemos assaltos imaginários, não percebo como é que eles, tal como Pilatos, lavam as suas mãos e pronto. Quem quiser que se amanhe! (note-se que aqui há uns anos, numa situação muito similar cá em casa com a minha tia – pronto, sem o "assalto" e os comportamentos obsessivo-compulsivos – a resposta dos nossos soldados da paz, chamados pela minha madrinha, foi exactamente a mesma: se ela não fosse de livre espontânea vontade (pouco interessa que o uso das faculdades mentais que suportam a mesma não esteja ao seu melhor nível), não a podiam obrigar…) Ao que parece (e vendo-a como a comprei), apenas o Delegado de Saúde poderá "decretar" a coisa, o que, atente-se, é muito prático e exequível no caso da vítima em causa ter alguma patologia que necessite de cuidados médicos rápidos. Ou não!
Em segundo lugar, a atitude de uma outra vizinha. A jovem criatura, estando a sair de casa à hora do sucedido, e tendo de passar pela M. para chegar à porta do prédio, afirmou não ter nada que ver com aquilo. Logo saiu e lavou a sua consciência, o que me faz pensar em que raio de cornos de cabras (ou bicho menos simpático) esta gente foi enxertada, para ser capaz de passar por alguém naquela situação e não ter a mínima compaixão. Estranho e triste mundo este em que vivemos! É em horas destas que me lembro de uma frase da qual não gosto, mas que é merecida para bichos (sem ofensa para todos os bichos do mundo, muito mais éticos do que muito cabredo humano) destes: "o que é teu está guardado!"
Em terceiro lugar, a atitude da comunidade. Nomeadamente, a atitude em relação a nós. Isto é: ao que parece somos "altamente louvados" pelo nosso acto, "coisa benemérita", e coisa que "mais ninguém" faria… afinal, prescindimos do nosso feriado para acompanhar-mos alguém que não era nosso parente directo, passámos o dia sem comer decentemente, e ainda gastámos gasolina e telefone. Um luxo portanto!
Não sei se ria se chore. E aqui reside a minha maior perplexidade: o que haverá de tão estranho em socorrer e amparar alguém que precisa? Mas se não fossemos nós, ninguém faria o mesmo? Ou melhor? Caramba: mas se fosse outra pessoa, alguém que eu nunca tivesse visto na vida, marimbava-me e não fazia nada? Alguém achará mesmo isso? Mas que raio de sociedade é esta que estamos todos a construir em que se parece ter perdido a noção do essencial. É que, bem me lembro, há uns 20 anos atrás nada disto seria caso de espanto, muito pelo contrário: era normal e mais ou menos usual. Quem precisava recebia ajuda da família, dos amigos, dos vizinhos, etc. E não havia propriamente hossanas por causa disso. Mas isto, isto que vivemos, incomoda-me. Muito. E deixa-me, de certa maneira, piúrso. Incomoda-me ao ponto de nem sequer ser capaz de entender. Estes espantos com aquilo que considero normal, ou melhor, aquilo que considero o mínimo aceitável, são –parece-me – o sinal de algo podre no reino da Dinamarca. De algo muito podre no reino de Portugal. Chegados aqui, temo que não tenhamos regresso, e a ser assim, tempos de aço nos esperam. Atenção que não me esqueço do lado luminoso, dos milhões de pessoas capazes de tudo fazerem pelo outro, dos milhões capazes de compaixão, de humanidade. Não. Mas julgo que este tipo de pensamento (e não-actos), aliado à infantilização do discurso da sociedade civil (que se comprova com 5 minutos de qualquer jornal televisivo), à fragilidade das instituições, bem como à erosão dos tradicionais valores judaico-cristãos inspiradores do humanismo contemporâneo, ainda nos vai dar muitos amargos de boca. Oxalá assim não seja! Oxalá!
Se me comovesse o amor como me comove
Let me cry for all these little men
A violência das margens
Olho para os tumultos e a arruaça na Grécia e penso: "é por estas e por outras que eu nunca seria ou serei de esquerda". É mesmo uma impossibilidade visceral. Não consigo achar minimamente justo, sequer aceitável, uma situação como aquela. Aprecio a ordem, a calma pública, a acção seguradora da polícia (para julgar os possíveis abusos da polícia – parece ter sido esse o gatilho da arruaça – existem os tribunais, que é para isso que servem). Acredito mesmo que um dos principais pilares de qualquer Estado de Direito (senão o principal) é a segurança interna, a segurança pública, a segurança de pessoas e bens. Agrada-me a velha ideia liberal oitocentista que metaforizava o Estado no guarda-nocturno. É uma imagem que me sossega, que me pacifica, que me acalma. Talvez isto seja influência de, em tempos de faculdade, ter lido o Leviathan de Thomas Hobbes. Talvez. Mas acho que uma qualquer sociedade, só o é, se sentir segurança. Se se sentir segura. Daí que as questões de segurança interna e justiça sempre me captem a atenção. Daí que não consiga perceber as célebres concepções de esquerda da desculpabilização do criminoso, o qual nunca, mas mesmo nunca, tem culpa dos seus actos: ele só mata, ele só rouba, ele só viola porque a) também lho fizeram a ele; b) é uma vítima da sociedade; c) é pobre; d) tem traumas de infância; e) o raio que os parta! Fico fora de mim quando oiço alarvidades destas, afinal: porque raio há-de alguém ser morto só porque outrem se sente muito injustiçado? Essas balelas (e já nem falo nas psicologices do arco da velha), quando muito, servem para explicar – em certos casos, muito restritos, onde é possível aferir o encadeamento dos factos, e, vá lá, já com muito boa vontade – a raiz do comportamento criminoso, nunca para desculpabilizar. Explicar não é, nem nunca foi, desculpabilizar.E não sou de esquerda porque acho que o protesto, sendo livre, tem limites. Nomeadamente a vida dos outros. A vida e os seus bens. A partir da primeira pedra arremessada, a partir do primeiro vidro partido, a partir do primeiro risco feito no bem de outrem ou no bem público, podem contar comigo como um firme opositor. Esteja o que estiver em causa! Por muito justa que possa ser a causa, a partir do momento em que há arruaça (ou pior, a partir do momento em que há mortos, coisa muito comum nas guerrilhas e nos sempre auto-proclamados movimentos de libertação) fico fora de mim. Renego e abomino todos os Maios - tão cantados pela esquerda – que por aí vão havendo. Faz-me confusão o estado de sítio, a anarquia, o reino do puro mal e de toda a violência possível. Não percebo como é que partir montras, saquear lojas, ou incendiar automóveis há-de ser uma forma de protesto contra alguma coisa. Se quiserem partam as suas próprias coisas, é simples! Incendeiam os seus automóveis e protestam contra a América. Partem os vidros das suas casas e protestam contra o desemprego (acho sempre curioso um protesto contra uma negatividade, uma ausência). Aí, não tenho nada a ver com isso. Agora, mal pegam numa pedra da calçada, da calçada que também é minha, estão a violar os meus direitos, estão a agredir-me. E quero justiça! Aquilo que se passa na Grécia (e que costumamos ver nos famosos "protestos anti-globalização", vulgo arruaça e anarquia da esquerda globalizada, pouco lavada, e com uma forte tendência para a ladroagem) é pura arruaça. E é nestes momentos que me apetece gritar com Sarkozy que esta gente não passa de racaille! Ou em bom português, não passa de escumalha! Oiço que são estudantes, muitos deles universitários… é que é coisa que nem sequer consigo conceber. Gente que faz isto, gente que se diverte a destruir a vida dos próximos não se chama estudante, não sabe nada, nem sequer algum dia vislumbrou a doce Atena nem numa manhã de nevoeiro: normalmente chama-se "criminoso", ou até, "terrorista". E o que é mais interessante é que, defendendo as supostas ideologias comunitaristas, socializantes e colectivistas (e todas as aspas do mundo eram poucas para ironizar a este respeito), esta gente diverte-se a destruir o sócios, a comunidade, a polis. Logo, são eles o rosto do puro egoísmo interesseiro. O rosto da destruição e da maldade. O rosto da guerra, pois então. Prendam-se e julguem-se! Que respondam pelos seus actos. E que alguém lhes possa ensinar o significado de palavras tais como "liberdade", "democracia", "outro", "respeito"…
Há horas em que fico exaurido, exausto, vazio. Nada tenho para dizer. Nada tenho para te dizer.
Estou fascinado por esta colecção, Portuguesas Com História, de Anabela Natário. Só tendo ainda recebido o primeiro volume (referente ao período compreendido entre os séculos X a XIII), ando a contar os dias para que chegue o próximo. Escrito de maneira inteligente e acessível, intrigante e apaixonante, pelas suas páginas vão desfilando as mulheres que fizeram a história portuguesa, desde o alvor da portugalidade (com Mumadona Dias, fundadora de Guimarães) até à actualidade (embora para lá chegar ainda me faltem 5 volumes). É assim uma história do silêncio, ou melhor, do muito que a História tem silenciado; a saber: o papel decisivo das mulheres, da mulher, na formação e consolidação da nossa cultura e da nossa nação. Mas sem feminismos anacrónicos como é voga ver-se e usar-se por estas bravas terras. É, nesse sentido, também uma desconstrução do feminismo, pelo menos do feminismo de importação-de-trazer-por-casa, de origens francófonas e que muito deve a Beauvoir & Companhias. Uma pérola, pois!Com um ritmo narrativo rápido e sedutor, Anabela Natário leva-nos a questionar os mitos fundadores de grande parte desse mesmo feminismo, na maior parte das vezes, ou fruto de simples importação sem atenção à idiossincrasia nacional (ou pelo menos peninsular, vá lá!), ou simplesmente fruto de análises histórico-sociais precipitadas, normalmente elitistas e urbanas, que tomando a nuvem por Juno, elaboram extrapolações sobre a condição feminina em Portugal ao longo dos tempos sem qualquer contacto com a realidade. Esse será, de resto, um problema comum nas ditas ciências sociais e humanas, ou, como prefiro chamar-lhes renunciando à obsessão cientista, no campo das humanidades e das artes – quase todas as teorias sociais, históricas, económicas, filosóficas, etc, foram importadas (sticto senso) sem qualquer atenção às (muitas) particularidades da realidade nacional, gerando um mundo de equívocos e lugares comuns que, colados a uma realidade diferente daquela para a qual foram elaborados, nunca se livram de causar uma certa estranheza. E incómodo. Ora, num país onde nunca terá havido "camponeses e operários" para justificar certas revoluções e afins, pelo menos camponeses e operários que encaixem nas restritas definições deles dadas na Inglaterra da Revolução Industrial, não admira que também no que concerne ao feminismo o mesmo tenha acontecido. Assim, neste livro (e presumo que nos volumes seguintes o mesmo aconteça) encontramos várias mulheres que, contra todas as nossas expectativas (minadas pelas noções que a cultura simplesmente estrangeirada nos deu), foram não só decisivas na evolução histórica portuguesa, como ibérica e até europeia. Estranha coisa, quando nos bancos das nossas escolas e universidades ainda é comum falar-se da simples submissão feminina ao poder masculino.
O que aqui encontramos é a desconstrução de um certo falocentrismo do feminismo, ou seja, a estranha obsessão (diria que freudiana) do feminismo se definir como oposição ao falo, ao mundo masculino, ao machismo. Encontramos neste primeiro volume uma sociedade onde ambos os sexos, homens e mulheres, são "escravos" das razões de Estado – relembre-se que estamos ao nível da história das elites e não da história do povo comum, essa, porventura, muito mais igualitária do que as elites o possam pensar -, por igual, sem se poder encontrar a subjugação de umas pelos outros. Muito pelo contrário: a vida das nossas damas e infantas revela que, para além do poder económico, muitas delas detiveram, usaram e deleitaram-se com o poder militar, político e cultural, jogando no grande tabuleiro da história europeia, enredando-se nos seus segredos, e fazendo, não poucas vezes, xeque-mate! E ao contrário do que se possa pensar, mesmo os mais avisados sobre isto, não foi apenas através do poder sensual, ou mais cruamente, através do sexo. Não! O poder que estas mulheres tiveram rivalizou com o dos homens, seus irmãos, seus pais, seus maridos, seus amantes, seus filhos. Detentoras de exércitos, de bens avultados, de liberdade de movimentos, nunca hesitaram em defender os seus interesses e os dos que protegiam e amavam (quem sabia que, quando lemos nos livros que determinada rainha ou infanta se recolheu a um convento, isso não significa que tenha professado, muito pelo contrário: na maioria das vezes essa é uma medida de autonomia - afastam-se da exposição pública ganhando liberdade de movimentos, para além de levarem uma corte pessoal - e de protecção, mantendo elas o controlo sobre todos os seus bens e rendas, e deles dispondo a seu bel-prazer, inclusive contra a vontade de alguns monarcas?).
Para mim que desde tenra idade considerava a Idade Média como uma época chata e aborrecida, onde apenas havia feudalismo e guerras religiosas, é interessante e surpreendente verificar que a Idade Média precedeu em grande medida, não o Renascimento, mas a Idade Contemporânea! Em certa medida arriscaria dizer que o que esta obra nos mostra é que a verdadeira Idade das Trevas veio sim, por certa via, curiosamente, com a Idade Moderna. Desde uniões de facto a conceitos muito muito muito alargados de família, passando pela promoção da música e da leitura, até ao constante confronto com o poder clerical, de tudo encontraremos nesses tempos recuados. Para quem foi descrita na história apenas como filha, esposa e mãe submissa, é de convir que o perfil de mulher independente e poderosa é, à partida, uma surpresa. Delicioso! Cá nos encontraremos para seguir esta saga!
Dicen que la distancia es el olvido
Porque hoje é sábado fomos presenteados com uma vera amostra do país real (ou irreal, como se preferir). Diz-nos o DN que, na equipa de juniores da Casa do Benfica das Caldas da Rainha, os actos homossexuais no balneário são punidos com multa de 40 cêntimos.Todo o artigo apela ao senso surrealista de cada um. Ao que parece trata-se de um regulamento interno em que são estipuladas coimas para vários comportamentos desviantes (presumo) dos jovens atletas. Aqueles passam por várias situações, que vão desde o "uso de telemóvel no balneário" (0,15€) até ao "cartão vermelho (anti desportivo [sic])" punido com 5€. Pelo meio vamos encontrar outras coimas por coisas como "atraso ao treino" (0,20€ por minuto), "tocar o telemóvel no balneário" (0,20€), "urinar no chuveiro" (0,50€), "cartão amarelo" (0,50€), "gases perturbadores (peidos)" [sic] (0,20€), ou "chapadas no rabo do colega" (1€) – para quem quiser deliciar-se a ler todas as "infracções", veja aqui.
Em face disto nem percebo porque só o item "actos homossexuais" causa brado nas touradas. Tirando as coimas que visam promover um mínimo de higiene e civilidade, todo o documento é uma pérola de lirismo e de refinamento cultural. Algumas curiosidades:
1 – Considerando que faz sentido que as faltas injustificadas (ao treino ou aos jogos), os comportamentos anti-desportivos e os atrasos (uma vez que calculada a coima por minuto) sejam alvo das coimas mais elevadas – são estes os comportamentos promotores da pontualidade, do espírito de equipa e do tão apregoado espírito desportivo -, não se entende porque é que o "cartão amarelo" é punido com um valor tão baixo, já que pode ter origem num comportamento agressivo do jogador ou desrespeitador dos outros intervenientes no jogo (repare-se que o "desrespeito perante um colega" é punido apenas com 0,80€!).
2 – Pergunto-me o que terá ditado a existência do dito regulamento interno, considerando que a necessidade de legislação é normalmente ditada por um apelo do real; mais: se bem me lembro das "fontes do direito", diz a doutrina jurídica que a lei tem como fonte os "usos e costumes". Logo, daqui pode concluir-se que os tais "actos sexuais homossexuais" fazem já parte do modus vivendi da equipa.
3 – Olhando para os valores das coimas facilmente se percebe que aqueles que têm um valor mais elevado incidem sobre os comportamentos mais reprováveis, e o inverso para os de valor mais baixo. Mais: usualmente o valor inferior será sempre atribuído a um comportamento mais recorrente do que a um menos; ou seja: é normal (e desejável!) que ocorram mais vezes as infracções relativas aos telemóveis, do que as punições disciplinares. A esta luz, arrisco dizer que o "acto homossexual" será mais usual do que a "chapada no rabo", uma vez que o valor da coima do segundo é mais do dobro da do primeiro (relembro que as multas mais elevadas são sempre para actos mais condenáveis e, usualmente, até por isso mesmo, com menor ocorrência).
4 – Urge esclarecer a população em geral - e os jovens interessados em particular - do que é entendido por "acto homossexual", uma vez que já se percebe pelo regulamento que disso não se entende "chapadas no rabo do colega". Isso, todos sabemos, pelo menos todos os que já frequentaram algum balneário de rapazes adolescentes, é não só usual e recorrente (only God would know why, or not!), como é – naturalmente, claro está, está-se logo a ver – coisa de homem! Perdão: coisa de Omem!
5 – Conclui-se que é mais barato praticar um "acto sexual homossexual" do que "chegar atrasado". Logo, quando o Mister (ainda me hão-de explicar o porquê desta expressão) perguntar onde andaram, será melhor dizer que estiveram ali a penetrar o Fulano, ou a acariciar-lhe o viril membro sexual... Sabendo nós que tuga que é tuga arranja todos os estratagemas para não pagar as coimas que lhe são impostas, a par da célebre tradição nacional de nunca chegar a horas a lado nenhum (mea culpa, mea culpa!), já se pode imaginar a verdadeira revolução cor-de-rosa que irá naquela equipa!...
6 – Uma vez que o dito regulamento se cinge apenas à equipa de juniores, presumo que na sénior, a existir, o mesmo não se aplique. O que é, desde logo, uma pena e, à partida, uma descriminação intolerável.
7 – Pergunto-me (uma vez que o regulamento é omisso) de qual a coima (a haver) em caso de "acto sexual heterossexual e/ou bissexual", "orgia", "bondage", "zoofilia" (presumo que particularmente grave em casos que envolvam águias), e outras práticas sexuais mais heterodoxas… O mesmo se passa com um "acto sexual homossexual" com "palmadinhas no rabo": o que fazer? Aplica-se o regulamento cumulativamente, ou leva-se em consideração o espírito do legislador da mais recente versão do Código Penal, e, como lá a propósito do "acto pedófilo continuado", conta-se como uma única infracção? Por falar em pedofilia: um "acto homossexual pedófilo" enquadra-se na definição de "acto sexual homossexual" ou não? (Considere-se a propósito que as questões relativas ao consentimento para o acto sexual e à sua idade poderão concorrer para diferentes entendimentos jurisprudenciais a respeito. Aguarda-se o esclarecimento)
8 – Atentando ao número de jovens portugueses que já consumiram "substâncias ilícitas" e ao número médio de vezes, talvez uma norma sobre uso de drogas viesse a calhar… Não sei, é apenas uma sugestão.
9 – Considerando que 0,40€ é menos do que o preço de um café, só me ocorre saudar os responsáveis pela Casa do Benfica das Caldas da Rainha que, assim, admitem a existência de homossexuais a jogar futebol, e, o que causa ainda mais espanto, no Benfica! Só lhes fica bem, honrando assim a terra-adoptiva e a criatividade do grande Raphael Bordallo-Pinheiro! E só demonstra que o Portugal profundo é muito mais liberal do que as suas elites o julgam… Afinal só se pede que os jogadores homossexuais não andem no balneário em brincadeiras perigosas – é que, para além de se atrasarem, pode estragar a concentração...
Sic transit gloria mundi!
"(…) A princesa, compadecida por tão puro amor, disse-lhe então que se ele ficasse cem dias e sem noites debaixo da sua janela, lhe votaria um amor igual. (…) Conto AntigoComo na fábula te aguardei, te guardei, te esperei debaixo da janela. Debaixo da tua janela. Mudavam as horas, soavam os sinos, e eu lá ia na penumbra da noite, guardar a tua janela. Mais de cem noites o fiz, mais de cem. Sempre que te sentia a falta, sempre que te sentia mais a falta, eu lá estava, noite após noite, umas vezes enregelado pelo frio, outras pingado pela chuva, mas eu lá estava. Debaixo da tua janela o ar tinha outro cheiro e a lua brilhava muitomuitomuito mais. Debaixo da tua janela te esperei, em silêncio, abrigado na escuridão da noite. Lá contemplei as sobras de ti que me chegavam, um vulto, as réstias de luz da televisão acesa enquanto dormias. Algumas noites cheguei antes de ti, noutras, simplesmente, já estavas a dormir. E eu a vaguear. Debaixo da tua janela fiz todas as orações do mundo, todas as orações que a terra pode parir num parto longo e doloroso. Debaixo da tua janela rezei. Por ti, por nós, por ti e por mim. Tantas horas debaixo daquele parapeito, para estar mais perto, para estar juntinho a ti. Para te proteger o sono, para afugentar todos os teus fantasmas.
Ter-me-ás sentido algum dia? Algum dia terás sentido a minha presença? Acredito que sim. Sinceramente acredito que sim. Tu sempre me soubeste por perto, sempre soubeste adivinhar que eu ali estava, que eu ali estava, nunca longe, nunca definitivamente longe. É uma das nossas coisas, esta capacidade de nos sabermos, de nos reconhecermos, de nos sentirmos, para além de todos os tempos, para além de todas as distâncias, sempre perto, sempre lado a lado. Sem nunca nos separarmos. Sem nunca dizer-mos adeus. Sabemos sempre um onde o outro está. Como está.
É como aquele sonho que um dia tivemos, numa noite em que tivemos o mesmo sonho: eu sentado com a tua mão apoiada no meu ombro; tu de pé, atrás de mim, a derramares os teus beijos na minha cabeça enquanto me abraçavas. Lembras-te? Nunca te vi, mas sempre soube que eras tu. Senti-te. Senti-te o cheiro e a força. Senti-te o amor e a ternura. Senti-te como te sinto tantas e tantas vezes.
Tu sempre me soubeste lá em baixo. E eu sempre soube que tu o saberias.
A propósito do novo filme que por aí estreou sobre a Amália Rodrigues, hoje li no meu DN uma pequena entrevista com uma amiga dela, Estrela Carvas. A dado passo diz ela sobre as relações amorosas da Diva: " [Ricardo Espírito Santo] A Amália tinha uma simpatia e uma amizade enorme por ele. (…) Mas nada mais do que isso. (…) A grande paixão da vida dela foi o [Eduardo] Ricciardi. E, segundo o meu conceito, o grande amor da vida dela foi o César [Seabra]. Um grande amor é aquele que resiste ao tempo. (…)" [sublinhado meu].No Comments.
Uma orquídea nasceu onde havia uma velha fonte. Ao reparar que sobre si, uma bela magnólia se erguia, pensou: “que belas serão as suas flores, e quão agradável deve ser o seu cheiro nas noites temperadas de Primavera”. Passaram-se as estações e a árvore não floresceu.
De carne e de seda brotarão rosas em chamas
Quando o mundo nos dinamita a esperança e esta nossa khôra pátria parece estar cada vez mais afundada e triste; quando o dia que hoje se comemora começa a parecer um simples acto de arrivismo social de uma sevilhana traumatizada de classe ("mesmo que a morte seja consequência da Coroa, antes morrer reinando do que acabar servindo!"); quando o dia que hoje se comemora começa a parecer um tremendo erro histórico...
Não sei se já nos havíamos encontrado antes. Se tiver acontecido, não nos encontrámos mesmo. Mas lembro-me que num dia especial, o dia em que a instituição castrense me dispensou do serviço à Pátria, nos encontrámos, casualmente, à hora de almoço. Um dia luminoso de sol, com o Tejo e a luz de Lisboa toda a banhar-me o sorriso. Entrei na sala, virei à esquerda e lá estava ele. Julgo que já lá estivesse há muito tempo, mas isso também não interessa: a partir de então passou a estar lá para mim, só para mim (sou egocêntrico, pois sou!)! Nunca mais me abandonou: desde então, uma imagem sua acompanha-me no meu espaço, no meu lugar – na minha khôra. Fascina-me a sua nobreza. Fascina-me a sua tristeza. Fascina-me a sua solidão. Se há imagem da solidão esta é uma delas. E é esta, também, por causa da sua história, das suas cicatrizes. Por causa do seu rastro ténue e esvaecido nos nevoeiros…
"Por ti cheguei e parto. A minha casa é onde estás."
José Agostinho Baptista