quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Paixão

Por tua causa um dia quis morrer. Num dia único, singular, absolutamente único, quis mesmo morrer. Metodicamente, ou talvez não, encostei-me a uma parede e escorreguei, deixando-me partir. Ao tocar o chão entreguei-me à queda. Deixei-me cair sem parar e fiquei, desatento, a deixar o ar escapar-me do peito, o fôlego abrandar, já sem ouvir o abrandar dos batimentos cardíacos, já esquecido de mim. E morri.

- Quando acordei só havia ruído. Só barulho. Só confusão. Tinha um martelo pneumático em-permanência a esburacar-me o cérebro. Não conseguia sequer ouvir-me a mim mesmo, não conseguia sequer pensar uma coisa simples como “azul”. Também não conseguia ouvir o coração, mas sabia estar vivo, de alguma maneira, vivo. Insuportavelmente vivo. O mundo todo me parecia estar em slow motion, as vozes chegavam-me com um atraso incomensurável, e eu, ali estava, de alguma maneira, ali estava, a tentar responder, a tentar, ali. Três dias assim permaneci, três dias ausente, três dias chorei infindavelmente, por toda a vida, para toda a vida. Não te sei dizer quantos foram os ataques de pânico, quantos foram os gemidos, os rangidos de dentes, quantas foram as mortes. Apenas que foram muitos, muitos, muitas. Não te sei dizer o quanto me doía o corpo, o quanto me encarquilharam as mãos, o quanto escavei a noite. Nem sequer te sei dizer, nem sequer te sei contar o quanto a voz nos pode doer, o quanto ela pode sangrar, rouca, de tanto gemer. De tanto gemer. De tanto se afogar.

Sei sim que ao fim desse tempo – três dias, três bíblicos dias – uma nova pele me cobria. Ao fim desse tempo de escuridão, voltei a habituar-me à luz, devagar primeiro, devagarinho depois. Vislumbrei uma claridade, levantei a cabeça, levantei-me, sentei-me e pensei. Como da primeira vez, como o primeiro pensamento, como um primeiro pensamento na vida, pensei. Analisei. Pesei. Ponderei. Resolvi. Tomei decisões. Tomei todas as decisões. Pela vida e para a vida. Uma eternidade de decisões, de resoluções graves, tratados assinados, armistícios plenos e incondicionais. Lambi as feridas. Sarei-me.

De todo esse tempo, de toda essa dor, a mais funda, a mais aguda que alguma vez pude sentir – surda de tão aguda, cortante de tão desesperante, sem-doer doendo, daquelas que nos fazem desmaiar porque o cérebro já não consegue aguentar mais e é demais – apenas guardo uma lembrança salvífica, apenas uma voz me chegava, apenas uma imagem me agarrou os olhos salgados e ardentes: Tu. Tu.Tu.

1 comentário:

AnAndrade disse...

Dói. Dói que se farta, essa gente que não se despega de nós. E que nem sequer sabemos se queremos que vá, se que fique para sempre.
Dói. E nem sequer é uma dor boa, se é que há dores boas. mas antes a dor do que a ausência.
Puta de vida.
(às vezes, só às vezes)